Em meio a toda a discussão sobre pós-verdade e fake news,
preocupa-me especialmente a facilidade com que muitos cristãos dão
crédito a mensagens sem fundamento compartilhadas em mídias e redes
sociais. Além da adesão a sites especializados em espalhar
mentiras, há o compartilhamento de textos, áudios e vídeos contendo
histórias sem a mínima comprovação, e até falsas profecias.
É
assim, por exemplo, que se espalham fotos de pessoas mortas dizendo
tratar-se de missionários martirizados nesse ou naquele país, quando uma
simples checagem na própria internet é suficiente para provar que a
imagem se refere a coisa diversa; áudios com uma voz pesarosa diante do
juízo apocalíptico que Deus supostamente enviaria ao Brasil por meio de
uma tsunami contra várias cidades; vídeos com explicações
duvidosas acerca da última “treta” do mundo gospel; textos sobre
reuniões secretas da ONU, com a presença dos mais importantes líderes
mundiais, destinadas a perseguir os cristãos de todas as nações;
notícias infundadas de que o presidente é satanista…
Num tom
afetado, de alegada espiritualidade, essas mensagens convocam à oração –
quem, em sã consciência, sendo cristão, seria contra a necessidade de
orar? Outros pensam: “Não sei se é verdade, mas poderia ser”. E espalham
a mentira porque ela serve à narrativa, “cumpre a profecia” ou “tem a
ver”.
Não
é tão difícil constatar a falsidade de uma mensagem que recebemos:
geralmente as notícias falsas são sensacionalistas, aproveitando-se do
medo e da ansiedade para atrair seu público; citam fatos e pessoas
reais, retalhos dos últimos acontecimentos, para adquirir uma aparência
de plausibilidade, mas acrescentam informações que não podem ser
comprovadas, porque desprovidas de fontes confiáveis; não é incomum
essas postagens conterem erros gramaticais, históricos, geográficos ou
de outra natureza.
A credulidade é um problema muito grave, não só
do ponto de vista intelectual, educacional e cultural, mas
principalmente espiritual, porque diz respeito ao modo como a pessoa
constitui seu sistema de crenças e àquilo que considera fundamento da
verdade.
Fico
imaginando se as pessoas que depositam sua confiança em boatos de redes
sociais usam a mesma disposição mental e os mesmos critérios para
aferir o que é certo e o que é errado à luz da Bíblia. Como esses
cristãos crédulos avaliam pregações? De que lhes serve uma pregação
expositiva? É com a fé que se aproximam das Escrituras ou é com aquela
credulidade que as torna presas fáceis das fake news?
A Bíblia exorta-nos à fé, não à credulidade:
“O simples dá crédito a cada palavra, mas o prudente atenta para os
seus passos” (cf. Pv 14.15); “O coração do sábio buscará o conhecimento,
mas a boca dos tolos se apascentará de estultícia” (cf. Pv 15.14);
“Ora, estes foram mais nobres do que os que estavam em Tessalônica,
porque de bom grado receberam a palavra, examinando cada dia nas
Escrituras se estas coisas eram assim” (cf. At 17.11); “Amados, não
creiais em todo espírito, mas provai se os espíritos são de Deus, porque
já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo” (cf. I Jo 4.1).
Nós, cristãos, não fomos chamados a crer pura e simplesmente, mas a crer em Deus, na Pessoa de Cristo, conforme as Escrituras.
Fé
é confiança na palavra de Deus (cf. Hb 11.1). Fé é uma resposta
positiva à graça divina (cf. Ef 2.8). Credulidade, por sua vez, é a
inclinação a acreditar celeremente no que se ouve ou lê, sem juízo
crítico, sem capacidade de avaliação. Lembro, aqui, do interessante
opúsculo de John Stott intitulado Crer é também pensar (publicado no Brasil pela ABU Editora), cujo título original é Your mind matters (“Sua mente importa”).
Os
servos de Deus, os quais têm “a mente de Cristo” (cf. I Co 2.16), devem
examinar todas as coisas (cf. I Ts 5.21) e ser “sóbrios” (cf. I Pe 4.7;
“criteriosos”, na versão Almeida Revista e Atualizada). Acreditar
facilmente em qualquer coisa atenta contra o caráter de Cristo. A fé
cristã produz no convertido uma disposição mental renovada, a
restauração progressiva de sua capacidade intelectiva, até que ele seja
completamente liberto dos efeitos noéticos da Queda, o que acontecerá
quando da glorificação prometida ao que crê (cf. Rm 8.23; I Jo 3.2).
Temo
sinceramente que muitos cristãos recebam as pregações da mesma forma
como recebem (e depois espalham) notícias falsas disseminadas na
internet: se a pregação compartilhada for bíblica, não haverá o que
objetar, senão pelo exíguo benefício que poderão extrair da palavra
aqueles que forem deficientes em sua análise; o problema é que, em
virtude do juízo crítico pouco aguçado, os crédulos costumam ser
atraídos por pregadores sensacionalistas, triunfalistas, de autoajuda,
promotores de “eisegese” em lugar de exegese, o que talvez explique, ao
menos em parte, a crise em que se acha (e se perde) a Igreja evangélica
brasileira.
Gospel Prime
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