sexta-feira, 25 de maio de 2018

A árvore ética

por Alex Esteves
 
Para assustar os céticos, os liberais, os pós-modernistas e os incrédulos de todo gênero, confesso: creio na Bíblia como sendo a Palavra de Deus inspirada, autoritativa, inerrante, infalível e suficiente, o que me torna um cristão protestante e – permitam-me os irmãos calvinistas – reformado no sentido amplo. Sendo assim, professo minha fé na historicidade de Adão e Eva, do jardim do Éden, da Queda e das maldições que de lá irradiaram como consequência divinamente determinada para o cometimento do mal.
Dito isso, gostaria de pontuar singelamente como entendo o pecado dos nossos Primeiros Pais.
Narra o Livro de Gênesis, em seus três capítulos iniciais, tanto a Criação (caps. 1 e 2) como a Queda (3.1-6), tanto o mandato cultural (1.26-28) como os efeitos da atitude pecaminosa (2.7-12), tanto o mandamento divino (2.16,17) como a condenação que sucedeu à desobediência (3.14-24). Nada disso é lenda, mito ou folclore judaico.
Adão e Eva receberam de Deus o usufruto de “toda árvore do jardim”, à exceção da “árvore da ciência do bem e do mal”, sob pena de morte. A serpente, incorporando o diabo, incutiu na mente humana a noção errônea de que tal mandamento era pesado demais e fruto de suposta maldade de Deus, que estaria, com isso, negando ao Homem a possibilidade de se divinizar por meio do conhecimento.
Em seu estratagema, a serpente propôs a dúvida sobre o que Deus havia dito, e ainda o distorceu: “É assim que Deus disse? Não comereis de toda árvore do jardim?” Repare bem: uma coisa é oferecer toda árvore do jardim, prescrevendo uma exceção; outra, bem diferente, é dizer “não comereis de toda árvore do jardim”. Havia, na premissa diabólica, uma ênfase no aspecto negativo do mandamento, como se este fora instrumento de tortura, quando era, de fato, prevenção contra a morte.
A outra premissa diabólica consiste em afirmar que Deus teria “segundas intenções”, o que no direito chamamos de “reserva mental”: se comessem do fruto proibido, alegou a serpente, nossos Primeiros Pais teriam os olhos abertos, e seriam “como Deus, sabendo o bem e o mal”. Mais do que isso: de acordo com a proposta do diabo, conhecer o bem e mal é igual a divinizar-se. E, como sabemos, tal falácia despertou no coração humano o desejo por esse “entendimento” emancipatório (cf. Gn 3.6).
A árvore da ciência do bem e do mal é a árvore ética, porque ética é justamente o conhecimento do bem e do mal, do certo e do errado, do justo e do injusto. Antes da Queda, o Criador, por assim dizer, alimentava a humanidade com a ética divina, orientando-a sobre o caminho a seguir; depois da Queda, houve uma proclamação de independência, de autonomia, de emancipação moral, momento em que Adão e Eva decidiram buscar em si mesmos o critério de aferição da verdade.
Da mesma forma como a mulher achou que a árvore era “boa para se comer”, “agradável aos olhos” e “desejável para dar entendimento”, persistem em toda a história “a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida” (cf. I Jo 2.16), repetindo-se o percurso transgressor que nos trouxe à tragédia. É assim que “cada um é tentado quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência”, depois do quê, uma vez consumado, o pecado “gera a morte” (cf. Tg 1.14,15). E morte, em vez de aniquilação, é separação, a ponto de todos estarem “separados (…) da glória de Deus” (cf. Rm 3.23).
A teologia liberal, racionalista por natureza, labora nas premissas da serpente, na medida em que erige a dúvida como pressuposto, e não a fé; propõe o entendimento humano como alvo a ser alcançado, e não a obediência a Deus; e distorce os fundamentos da Palavra do SENHOR, porque não sabe conviver com a verdade pura e simples.
O relativismo ético teve origem no Éden: foi lá que, primeiro, alguém alçoou a voz para propor uma ética própria, essencialmente humana, avessa ao transcendente, orgulhosa e degenerada. Ali nasceram o antropocentrismo (culto à humanidade) e o hedonismo (culto ao prazer). Foi no Éden, por ocasião da Queda, que a primeira criatura humana teve a ousadia de se autoafirmar perante o Criador, como se pudesse conduzir sua existência sobre bases exclusivamente humanas, o que se define por secularização.
Não é preciso descrer na historicidade adâmica para considerar a dimensão ética e filosófica do relato acima referido. Alguém poderia afirmar que Deus tinha o direito de estabelecer o mandamento como simples prova moral, a seu soberano critério, mas, pelo conjunto das Escrituras, sinto-me autorizado a afirmar que o preceito violado pelo Primeiro Casal era mais do que um teste, dizendo respeito, isto sim, à natureza do relacionamento proposto por Deus à raça dos filhos de Adão.
Creio, pois, que a Bíblia nos permite compreender o mandamento de Gn 2.16,17 como o fundamento ético da existência humana, mostrando-nos que não existe verdadeira liberdade sem obediência a Deus, que o Homem só é feliz se estiver em Deus, e que a morte, no sentido mais dantesco da palavra, é viver como se Deus não existisse.
Enquanto o descrente vive nesta Terra, Deus lhe dá oportunidades, mas haverá um dia em que todo aquele que vive como se Deus não existisse terá a triste e amargurada companhia do mais absoluto silêncio de Deus, da mais absoluta distância de Deus – esta será “a segunda morte”, consectário lógico da primeira, que destampou no jardim.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Por que o movimento evangélico cresce e o Brasil não melhora?

Em 2020, provavelmente seremos numericamente a classe religiosa predominante no país. Todavia, o que vemos hoje, já com todo um avanço do movimento evangélico em décadas? Corrupção na política, a violência urbana, a desigualdade social nunca foram tão alarmantes. Jamais vivemos com tão baixa qualidade de vida, e jamais sofremos tanto com a ausência de representatividade na sociedade.
Quando a sociedade brasileira procura debater assuntos densos e vitais, pouquíssimos evangélicos são chamados à participar da conversa. Seria apenas uma perseguição velada ou de fato estamos destoando na relação “discurso x prática” do que cremos? Não seria o evangelho a solução para que o ser humano fosse redimido e vivesse num contexto de graça e não de impiedade? Por que então a nova vida em Cristo não promove na comunidade da fé uma práxis tão relevante entre os incrédulos que os atraiam a nos ouvir, mesmo que em assuntos não-religiosos?
E mais: ainda somos um povo marcado por algumas expressões:
Dízimos: fora a polêmica em si sobre o conceito, usam essa prática como um meio de acusar os pastores de ladrões e vagabundos.
Fofoca: o pecado mais comum entre os arrais evangélicos, e ao mesmo tempo menos passivos de disciplina ou até exclusão do rol de membros, o que é bem diferente do pecado sexual no namoro.
Gula: “crente não bebe, mas come (…)”.
Hipocrisia: os que não frequentam uma igreja evangélica sempre pensam que os evangélicos devem se impor moralmente sobre os outros – um fardo que eles mesmos não poderiam carregar na vida.
Tais marcas são significativas; porém, em especial, o que mais nos marca nesta geração é o fato de que demonstramos algumas negligências na missão, na ação social, no testemunho de vida e na comunhão. Claro que não se pode generalizar, pois sempre existem os famosos sete mil que não se dobraram a “Baal”, mas “7.000” numa demanda milionária em termos nacionais e bilionária de gente em termos globais a se alcançar com o evangelho é muito pouco.

Uma série de constatações

Respondendo objetivamente à pergunta do título deste artigo, creio que duas palavras abririam espaço para uma compreensão desta resposta: engajamento cristão.
Se houvesse mais engajamento missionário, mais engajamento político, mais engajamento intelectual, mais engajamento profissional, ético, teológico e eclesiástico, com tudo isso visando a glória de Deus e a salvação dos homens, creio que o crescimento seria manifesto em transformação da sociedade como um todo.
A sociedade está sofrendo porque a Igreja (com algumas exceções), de forma geral, está enclausurada em programas, movimentos em quatro paredes, consumismo, materialismo, disputas templocêntricas, eventos com um fim no dinheiro ou no entretenimento etc. Pouco produzimos na sociedade, pouco se investe em “gente”.
Muitos são evangelistas ou profetas apenas no Facebook enquanto gente ao nosso lado morre de depressão.
Somos pouco reflexivos e muito sensitivos; somos barulhentos e não damos valor à meditação na Escritura conforme Salmo 1, além de não aceitarmos críticas, como se toda opinião contrária ou fosse do demônio ou fosse emitida pelo outro por pura birra ou inveja.
Muita superficialidade; pouca devoção. Muito show gospel; poucas reuniões de oração e busca do poder de Deus. Muito discurso gospel; pouca prática cristã.
Há quem tenha crise com o termo “evangélico”, o que ainda não é o meu caso, pois entendo que tal termo é historicamente marcado por muita influência nas maiores transformações sociais que o mundo moderno sofreu, com o advento da Reforma e a participação efetiva de tantos irmãos cheios do Espírito Santo e da graça de Deus que não só pregaram mas serviram suas nações com obras dignas de Cristo, construindo creches, universidades, hospitais e outras instituições que promovem a vida e a dignidade humanas. A democracia, tão exaltada nos dias de hoje, é uma conquista de muitos irmãos evangélicos, direta e indiretamente. O estado laico, tão reivindicado nos tempos atuais, é uma vitória política alcançada pela cosmovisão reformada. Ser evangélico, no sentido puro do termo, é ser uma pessoa do evangelho, que busca a redenção do ser humano por meio da graça multiforme que há em Cristo Jesus, o Deus-homem. No entanto, é de se reconhecer que há hoje em dia um rótulo negativo sobre esta expressão “evangélico”.
E há ainda uma questão maior: a mensagem é poderosa, mas os mensageiros talvez não saibam disso.

Sendo assim, o que fazer?

Precisamos, a meu ver, de pelo menos três ações graciosas que iniciam-se em Deus, alcançam o nosso coração e, após transformá-lo, culminam em transformações na sociedade.
Avivamento genuíno
Que começa por um retorno às Escrituras. No entanto, o povo de Deus somente se voltará para sua Palavra quando o Senhor soberanamente agir em nosso favor por meio dos cristãos verdadeiros que já entendem a urgência visceral desta demanda espiritual. Os que já se posicionaram frente ao evangelho e decidiram esmagar o próprio ego todos os dias precisam assumir os púlpitos das igrejas e todas plataformas de comunicação das verdades divinas possíveis para gerar influência no máximo dentre aqueles que dormitam na fé. Precisamos pregar a palavra com paixão, fidelidade aos textos inspirados e ousadia, para que os grandes frutos da verdadeira vida no Espírito sejam produzidos.
A terra está clamando não por grandes avivamentos espirituais que se fundamentam e se estabelecem na sensorialidade epidérmica, mas por um avivamento embasado nos dois maiores frutos do evangelho: ARREPENDIMENTO E FÉ.
Discipulado bíblico
A palavra que esmaga o ego é a palavra que exalta o Senhor Jesus nos corações que foram feridos por ela. E estes que encontram o Rei por meio da mensagem magnífica do evangelho e decidem se arrepender e crer para a vida eterna são compelidos a encontrar o valor de sua espiritualidade no outro, naquele que carece de ensino e vida praticada. O discipulado bíblico é feito para que o discípulo se torne discípulo verdadeiro de Jesus, não de homens. E quanto mais discípulos de Jesus, mais atuações reais nos dramas da sociedade caída, gerando assim mudanças no status quo e um aumento da qualidade de vida em todos os âmbitos.
Redenção cultural
Cristãos que vivem o evangelho podem redimir a cultura vigente, que está sofrendo impactos fortíssimos do pecado. Os valores morais, o modelos políticos e socioeconômicos e toda uma maneira de se viver em sociedade podem se ajustar aos desígnios de Cristo revelados em sua palavra. O povo do Crucificado/Ressuscitado/Glorificado é ainda a esperança de dias melhores na nação brasileira. Oro para que, em ano de eleições, a comunidade cristã que entende o que significa o reino de Deus cumpra de forma aplicada a obediência de 2 Crônicas 7.14.
Deus pode sarar o Brasil. E o processo de cura começa de dentro pra fora. Começa, portanto, na cura de muitos evangélicos.

Gospel Prime