quinta-feira, 4 de outubro de 2018

AQUELE QUE EM MIM FALA É PODEROSO!

A Revelação de Deus aos homens tem muitas formas e a Voz de Deus se faz ouvir em toda a terra de modos os mais diversos.

Ele fala em tudo, por meio de tudo, pois Ele está em tudo!

Mas Deus falou outrora aos nossos pais na fé pelos profetas da fé e, na plenitude dos tempos — qualquer tempo em que Deus se Encarnasse, aquele tempo seria o da Plenitude —, falou-nos por Seu Filho, o qual fez herdeiro de todas as coisas, pois deu-lhe o Nome que está sobre todo nome, ante cuja Verdade curvam-se ou curvar-se-ão todos os que Dele procedem, sendo que sem Ele nada do que foi feito se fez.

Quando Deus derramou Seu Espírito sobre homens santos do passado — nenhum deles santos em razão de qualquer uniformidade moral ou de comportamento que entre eles houvesse, mas pela sua consciência de conhecerem o mesmo Deus em fé e pela fé — sempre o fez dentro de suas próprias condições humanas, ou seja: “...eles eram semelhantes a nós — todos nós — sujeitos aos mesmos sentimentos e fraquezas”.

Dessa forma a Revelação vinha toda eivada de suas próprias vidas, em toda a sua complexidade. Por isso é que cada livro da Bíblia tem um estilo e cada estilo corresponde a uma pessoa-personalidade humana, que, por seu turno, estava imersa num mundo, num tempo e numa época, vivendo a história possível.

Eles, portanto, viam o futuro com os sentimentos do seu presente e eram iluminados nos olhos do coração, porém, viam com seus próprios olhos.

Por isso, na minha opinião, para se discernir a Escritura é preciso também lê-la vendo gente sendo atravessada pela Voz de Deus entre os ruídos, clamores e silêncios da Terra.

Não consigo ler a Bíblia sem essa visão da uniformidade crescente da fé e no conhecimento de Deus ir acontecendo mediante a mutabilidade de tempos e circunstâncias, onde os instrumentos de Deus foram sempre gente em pleno estado de gente.

Leio Paulo, por exemplo, e não consigo deixar de ver sua humanidade transpirante em cada coisa que escreveu — mesmo aquelas que estavam para além de ele poder encarnar de modo absoluto em plenitude ainda na terra!

Ele é o relativo possuído pela certeza absoluta de ter sido atingido pela revelação.

Mas ele escreve cartas e nelas fala de si, de outros, de dores, medos, perdas, afrontas — além de revelar seus sentimentos em relação a cada coisa.

Não discernir isso pode nos fazer ver Deus como a emoção ou a carência humana do autor. 

O maravilhoso é poder ouvir a Voz de Deus irrompendo pela boca de um homem que poderia ter acabado de comer tâmaras e bebido vinho, e que ouve Tércio dizer: “Irmão Paulo, estou pronto para continuar a escrever. É só falar”.

E lá vem Paulo, com tudo o que Paulo é no momento, e dita uma epístola que não foi narrada como uma obra psicografada, mas como um pensamento livre nas asas da verdade, e que teve suas pausas para meditação e até eventuais correções na seqüência da narrativa.

Talvez também por isto Paulo estivesse tão convicto de que a letra mata!

Até mesmo as citações de textos do Velho Testamento que ele faz escrevendo, por exemplo, aos Romanos, são na maioria das vezes, livres, ou mesmo sínteses de contextos muito maiores em sua literalidade no texto bíblico onde sua referência pode ser encontrada.

Ou seja: Paulo estava tão certo de que aquilo que ele escrevia era a Palavra — sem se preocupar com o ditado como se fosse “ditado” — que tinha apenas de oferecer a Deus seu entendimento sobre o Evangelho de Cristo e sobre as circunstâncias humanas para as quais ele dirigia a sua carta.

O mais era um trabalho de Deus muito maior do que Paulo mesmo poderia ter imaginado!

Como é que todas aquelas famílias de amigos e todos aqueles aos quais ele menciona pelo nome no P.S. de suas cartas iriam imaginar estar hoje incluídos em nossas leituras inspiradas?

Assim, com o próprio modo da “produção” do texto da epistola aprendemos que o revelado pelo Espírito tem que estar no homem como entendimento em fé, a fim de que o homem possa andar na revelação como certeza de fé.

Paulo poderia interromper, levantar, lavar a louça ou tecer a lateral de uma tenda, voltar, procurar Tércio, recomeçar a ditar o inspirado não como forma, mas como conteúdo — a forma era a dele; o conteúdo, com certeza não!

E isto sendo gentemente gente boa de Deus, em toda a plenitude de sua própria relatividade e, ainda assim, dizendo: "Aquele que em mim fala é poderoso!"

Caio Fábio

(Escrito em 2003)