Verso, segundo o Dicionário Houaiss, significa “cada uma das linhas
de um poema, caracterizando-se por possuir certa linha melódica ou
efeitos sonoros, além de apresentar unidade de sentido”. Delson
Gonçalves Ferreira em sua “Lingua e Literatura Luso Brasileira” (Ed.
Bernardo Álvares, p.396) diz que “verso é uma sucessão ordenada de sons
verbais fortes e fracos.(…) Também a música é uma sucessão de sons, mas
não verbais”.
Versículo apresenta valor semântico distinto, a depender do contexto
em questão, seja religioso/teológico, seja secular/literário. No sentido
religioso/teológico, é “cada um dos pequenos trechos com sentido
completo em que tradicionalmente se divide um texto sagrado”; definido
pelo próprio Dicionário Houaiss. No seu sentido comum, fora do âmbito
teológico/religioso, com vista a ser mais preciso, seria um verso
pequeno.
Definidos o que são um e outro termo, a saber, verso e versículo,
fica mais fácil refutar a sugestão de alguns “estudiosos” de teologia –
pois ainda não sei de alguém com autoridade intelectual se preocupar com
tais mesquinharias – de que “devemos” chamar verso ao nos referir às
linhas numeradas dos livros chamados poéticos da Sagrada Escritura, a
saber, apenas Salmos e Cântico dos Cânticos – segundo definição do
Manual Bíblico Vida Nova, David S. Dockery, p.348.
Ocorre que para o livro ser tratado como poético, ele precisa conter
só poesia, mas temos vários livros que misturam prosa e poesia. O
próprio livro de Salmos contém hinos, cânticos, provérbios e reflexões,
que não são poesia, e aí ficaria mais restritivo e complicado ensinar e
mesmo aprender quando e em quais situações se referir a “Livro tal e
verso tal” ou “Livro tal e versículo tal”.
Uma opção seria a abordagem contemporânea de poesia que não é mais o
poema em forma de verso, mas de conteúdo. Porém, nesse ponto a coisa
começa a complicar mais ainda, pois teria que passar por nova validação
de traduções e originais.
Não bastasse essa confusão que surge desse preciosismo inócuo, há
ainda um outro problema que surge da regra da lógica tradicional que
prescreve que é preciso para um juízo, ou afirmação ser
verdadeiro/válido que ele apresente coerência.
Se formos coerentes nessa linha de raciocínio teríamos que nomear de
parágrafo as linhas numeradas dos livros que não são poéticos – logo, os
prosaicos, ou praticamente toda a Bíblia – que ficou convencionado
chamar de versículo, visto que só caberia nomeação a rigor, aos versos
pequenos, tais como: “Jesus chorou. João 11:35” e outros de mesma
extensão, já que essa aventura teológica de renomear coisas, não
contempla o duplo significado do termo em seus contextos.
Ou pior ainda, teríamos que estabelecer uma regra tipificando o que
seria um verso pequeno para daí então estabelecer o que sobrou para
versículos. Ficaria assim nessa lógica de raciocínio: Livros poéticos:
Salmo 12, verso 3. Atos, 12, parágrafo 4, para ser coerente, do
contrário perde a validade por contrariar a regra básica de lógica.
A luz e o tempo, enquanto conceitos em ciência, ainda não foram
totalmente estabelecidos o que são. Diante de um congresso de física, o
palestrante precisa se explicar para a plateia a sua tradição adotada.
Contudo, nem por isso eles ignoram, em termos práticos, o que seja a luz
ou tempo, apenas não coadunam nos limites ou interpretação do conceito
em si. E a vida segue.
No caso de chamar de verso e versículo tem 2 aspectos que pesam numa
decisão dessas de trocar nomes a “essa altura do campeonato” da história
cristã:
1° – a tradição estabeleceu e consolidou assim; se perguntarmos para
um indivíduo comum, com conhecimento regular da Bíblia, se ele sabe
diferenciar um do outro, certamente ele vai saber e não apresentará
dificuldades, pois a linguagem é dinâmica e vai adquirindo novos
significados e esse é um dos casos que a palavra muda a semântica de
acordo com o contexto.
O 2° aspecto, no contexto da tradição cristã, versículo não possui
mais o seu significado comum de verso pequeno num poema, conhecido e
definido pela Teoria Literária. No caso específico da Bíblia, equivale a
um parágrafo. Se fôssemos pelo preciosismo, isso deveria ser levado em
consideração e ser suprimido em favor do parágrafo.
Mudar dá trabalho e não basta apenas dizer-se zeloso das coisas do Reino, tem-se, que de fato e ato, demonstrar-se zeloso.
Mudar por pedantismo, sem o cuidado que a questão merece, vem mais a
encalistrar a teologia e afastar ainda mais o crente regular de assuntos
superiores, do que atrair ideias e pessoas em torno do objetivo comum,
que é levar à leitura das Sagradas Escrituras e tornar acessível de
forma simples assuntos complicados.
A escola pitagórica apregoava que devemos começar pelas primeiras
coisas primeiro. Não sei se é o caso de se preocupar com termos já
sedimentados na tradição de ensino cristã e até na cultura e linguajar
popular nesses tempos de incredulidade.
Gospel Prime
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