Passadas as manifestações calorosas sobre homoafetividade/homofobia,
casamento entre homossexuais e as demais nuances que envolvem essas
questões, o tema “intolerância religiosa” parece ser a bola da vez.
Note-se que todas essas questões colocam em xeque a liberdade
religiosa e, portanto, não é a toa que as discussões a respeito são tão
polêmicas.
Falar sobre liberdade religiosa é sempre muito complexo, vez que
entramos na esfera de intimidade de cada indivíduo; a fé interior de
cada um, a crença que cada um tem é um sentimento particular e
inatingível. Não há como impor a alguém crer ou não crer em algo. No
máximo, pode-se obrigar alguém a praticar uma determinada religião, mas isso não necessariamente indica que a pessoa crê nisso.
Vivemos num país laico onde a liberdade religiosa impera. Isso
significa que não temos que nos sujeitar a uma religião imposta pelo
Estado, bem como temos o direito de praticar o culto, de acordo com
nossa fé, e, ainda, termos esse nosso direito, protegido. É o que reza
nossa Constituição Federal, em seu artigo 5o. inciso VI: “VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.”
Mas, se ao Estado cabe proteger os direitos individuais e coletivos,
ao indivíduo cabe a obrigação de respeitar tais direitos, por óbvio.
Ora, o desrespeito ao direito à liberdade religiosa, sem dúvida, implica
em uma infringência à ordem legal.
Vale ressaltar que a liberdade religiosa não é apenas um direito, mas
um complexo de direitos que englobam além da liberdade de crença, o
direito ao culto, à organização religiosa e o respeito à religião.
Portanto, quando falamos em intolerância religiosa, estamos diante de
várias possibilidades: a ofensa pessoal, a ofensa coletiva, a ofensa
subjetiva (relativa a própria fé) e a ofensa objetiva (relativa às
práticas de culto e aos objetos sagrados, por exemplo).
São diversas as possibilidades de manifestações de intolerância
religiosa e podemos até dizer que no Brasil os fatos envolvendo essa
situação sempre foram raros, consequência da própria liberdade religiosa
que vivemos.
No entanto, estamos experimentando um novo posicionamento geral da sociedade – que muitas vezes mais nos parece uma perseguição aos cristãos – em
que qualquer opinião contrária ou a própria manifestação de fé pode ser
taxada de intolerância religiosa. Por exemplo, se um pastor em um culto
manifesta seu descrédito em relação à outra religião, pode ser acusado
de fomentar a intolerância religiosa!
Nesse compasso, não seria a alegação da intolerância religiosa um verdadeiro contrassenso ao direito da liberdade religiosa??
Parece estarmos diante de um impasse. Podemos professar nossa fé, mas ser contrário a outro tipo de fé, não??
Ora, a liberdade religiosa parece encontrar resistência na sua
‘prima’, a intolerância religiosa. O que deveria ser liberdade
religiosa, agora surge como intolerância religiosa?!? Como lidar com tal
questão? Como mensurar até onde se dá a liberdade religiosa, sem que
ela mesma seja tratada como intolerância religiosa, quando a questão em
xeque for exatamente a religião??
Há um limiar (muitas vezes subjetivo) que deve ser observado e esse
está ligado ao respeito à religião, direito esse protegido pela nossa
Constituição Federal, como já dito acima.
No âmbito da liberdade religiosa, há espaço para o respeito mútuo e
isso é o que tem sido ignorado. É possível a convivência pacífica entre
os diferentes credos; basta cada qual praticar a sua fé e não entrar na
esfera de outrem. Mas a realidade está longe de ser essa e as ofensas
tem se tornado cada vez mais frequentes. E, muitas vezes, as ofensas
vividas acabam sendo suportadas exatamente por receio de que qualquer
manifestação contrária seja considerada uma prática de intolerância
religiosa.
Mas, de forma prática, diante da ofensa, como pode ser protegido o
direito à religião e a manifestação de fé de cada um? Existe base legal
para garantir esse direito?
A resposta é SIM.
Nosso Código Penal, em seu artigo 208, tipifica como crime o
desrespeito não só a prática de culto, mas à própria pessoa, por motivo
religioso. Vejamos:
Art. 208 – Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:
Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Parágrafo único – Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.
Com base no ordenamento legal em questão, podemos concluir que com a
mesma pena que uma pessoa que ofender alguém por motivo religioso, será
julgado aquele que perturbar culto religioso. Há, portanto, proteção à
fé professada pelo pastor, em um culto, e essa sua manifestação de fé
não poderia, portanto, ser taxada de intolerância religiosa, se ela não
se der, por óbvio, de forma desrespeitosa à nenhuma outra religião.
Da mesma forma, e com base no mesmo ordenamento legal, podemos
tipificar como crime a conduta do cidadão que num evento público achou
por bem profanar a figura de Jesus Cristo, crucificado na cruz,
travestido. Ora, ele desrespeitou não só a religião em si, mas, no
mínimo, um sem número de cristãos, sejam eles evangélicos ou católicos.
Temos, portanto, que a manifestação de fé de cada indivíduo, ainda
que exercida de forma coletiva, merece respeito e possui proteção legal
que pode e deve ser aplicada quando houver desrespeito à religião, seja
no âmbito pessoal ou coletivo, de modo que a intolerância religiosa
deverá sempre ser analisada sob a ótica do Direito Eclesiástico,
permeando todas as nuances do direito à religião, abraçadas pela nossa
Constituição Federal.
Gospel Prime
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