sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Devemos ou não julgar?

O Significado de julgar

Sempre ouvimos expressões como “não toqueis nos meus ungidos”, “não julgueis para não serdes julgados”, ou frases afins, sendo utilizadas com o intuito de contrariar a prática do julgamento doutrinário.
Antes de mais nada, faz-se importante conceituarmos a palavra “julgar”, pois somente assim poderemos fazer o bom e correto uso dessa ordenança bíblica.
De acordo com a International Standard Bible Encyclopedia, as palavras “discernir” e “discernimento” ocorrem em três formas no Novo Testamento (dokimazoanakríno e diakríno).[1] Duas delas têm raiz no verbo krino, cujo significado é “peneirar”, “distinguir”, “selecionar”, “separar”, “decidir” ou “julgar”.
De acordo com Vine, dokimazo significa distinguir, por à prova, provar, examinar, julgar com a expectativa de poder aprovar. É encontrada em 1 Ts 5.21 na ordenança de Paulo para avaliarmos todas as coisas, em Lc 12.56 no questionamento de Jesus aos fariseus sobre o discernimento do tempo e em Gl 6.4 no sentido de pôr à prova nossas próprias obras.
O verbo anakríno significa distinguir, examinar, esquadrinhar, interrogar, separar com o fim de investigar em um exame exaustivo. Esta palavra é usada por Lucas em 23.14, citando uma fala de Pilatos: “Apresentastes-me este homem como pervertedor do povo; e eis que, interrogando-o diante de vós, não achei nele nenhuma culpa, das de que o acusais”. Ela também ocorre em 1 Co 2.14 e 1 Co 4.3.
Diakríno significa distinção, discriminação clara, discernimento e juízo. Aparece em 1 Co 12.10 na relação dos dons espirituais, em Hb 5.14 se referindo à característica de um cristão maduro na fé e em Rm 14.1 dizendo para que não julguemos (condenemos) os fracos na fé.
Vine acrescenta, ainda, outra palavra, o adjetivo kritikós, cujo sentido é relativo a juízo, discernimento.[2]Strong também comenta que esta palavra faz alusão a julgamento, aptidão ou habilidade para julgar, discernir.[3] Esta é a palavra empregada no texto de Hebreus 4:12: “Porque a Palavra de Deus é viva e eficaz, (…) e apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração”.
Como podemos verificar, nosso adjetivo “crítico” deriva-se da mesma raiz. Normalmente olhamos para essa palavra em seu sentido pejorativo e assimilamos a pessoas que sempre reclamam ou que constantemente observam os defeitos e falhas.
Entretanto, “crítico” vem de “critério”. Um crítico de cinema, por exemplo, precisa realizar sua análise baseado em critérios pré-estabelecidos. Somente desta forma, ele poderá realizar uma boa avaliação e chegar a um veredicto consistente acerca dos prós e contras da obra cinematográfica.
Outro exemplo simples pode ser usado na figura de uma dona de casa que vai à feira comprar tomates. Ela sabe que não deve comprar qualquer um que esteja à sua frente. Possui critérios de escolha, de seletividade. Os que estão muito maduros ficam no estoque do vendedor, pois correm o risco de estragarem antes de serem aproveitados por esta mulher. Em contrapartida, os que estão num estado intermediário, isto é, nem tão verde e nem tão maduros serão mais provavelmente os escolhidos na compra.
Não é partindo do mesmo pressuposto que se escolhe o feijão que será consumido? Destarte, o ensino paulino é que julguemos todas as coisas, retendo o que é bom (1 Ts 5.21).

O Julgamento Hipócrita

Normalmente são usadas duas passagens bíblicas para contestar o trabalho apologista das Escrituras em contraste com um ensino heterodoxo: Mt 7.1-5 e 1 Cr 16.22.
Analisaremos em separado os dois assuntos em seções individuais. Nesta primeira comentaremos sobre o que Jesus proferiu em um dos trechos de Seu conhecido Sermão da Montanha (Mt 5-7).
Mateus 7.1-5, portanto, diz o seguinte: “Não julgueis, para que não sejais julgados. Porque com o juízo com que julgais, sereis julgados; e com a medida com que medis vos medirão a vós. E por que vês o argueiro no olho do teu irmão, e não reparas na trave que está no teu olho? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu? Hipócrita! tira primeiro a trave do teu olho; e então verás bem para tirar o argueiro do olho do teu irmão.”
Tal passagem é constantemente utilizada na tentativa de encerrar uma discussão (no bom sentido da palavra) doutrinária. Quem se utiliza do texto supracitado entende que os apologistas estão julgando personalidades e/ou lideranças carismáticas.[4]
O texto é bem claro nos dizeres de Jesus. Não devemos julgar as pessoas como se fôssemos mais especiais, com ar de superioridade, falsa santidade, arrogância, vaidade, orgulho ou vanglória.
Muitas pessoas olham para terceiros e esquecem de averiguar seus próprios erros. Os fariseus eram duramente criticados por tal postura hipócrita.
Analisando Mt 7.1, Kuiper diz que “é claro que Jesus aqui proíbe o julgamento. A questão, contudo, é se Jesus proíbe todo julgamento, ou somente certo tipo de julgamento.”[5]
Para obtermos a resposta para essa questão, devemos observar uma das regras de hermenêutica: olhar o texto dentro de seu contexto. Se assim o fizermos, poderemos constatar dois pontos.
Primeiro ponto: Jesus não está proibindo todo julgamento, mas o julgamento hipócrita. Não podemos ignorar nossos pecados e condenar deliberadamente outras pessoas.
Jesus contou uma parábola em Lc 18.9-14 referindo-se a tal prática anticristã. Dirigiam-se para oração um fariseu (ícone religioso de seus dias) e um publicano (ícone dos pecadores). O primeiro agradecia a Deus por não ser como aquele cobrador de impostos e tampouco como outras classes de pecadores, a saber, ladrões, injustos e adúlteros. Não obstante, ele era um dizimista fiel.
Num olhar aparente e externo, o religioso era um modelo a ser seguido. Entretanto, o outro homem reconheceu seu lugar de pecador. Neste estado, ele confessava sua necessidade da misericórdia e graça divina, bem como sua posição de criatura diante do Soberano Criador. Ele não se auto justificava com uma falsa piedade, antes, reconhecia ser indigno de um simples olhar para o céu.
O que aquele fariseu não percebeu era que, a confiança depositada em suas próprias obras havia se tornado como uma trave que cegava seus olhos, fazendo dele um “crente” nominal, ao passo que o publicano, realmente pecador, reconhecia esse fato, professando dependência em Deus e não em si mesmo. Essa sinceridade lhe fazia ter um cisco nos olhos se comparado ao fariseu, que se achava “santarrão”, mas na verdade era um iníquo enrustido.
Segundo ponto: considerando que Jesus estava no meio de um sermão o qual tratou de diversos assuntos, Ele ainda comentou sobre a necessidade de “julgarmos” os falsos profetas.
Embora “julgar” não seja a palavra usada no contexto da passagem de Mt 7.15-23, podemos raciocinar desta forma. Nos versos que precedem este trecho, Jesus alerta sobre o perigo de se seguir um caminho largo, pois seu final é a perdição eterna.
Na sequencia, Cristo alerta sobre a prudência em nos guardarmos dos falsos profetas. Não seria uma insinuação de que estes conduzem seus seguidores por este caminho largo e espaçoso? De qualquer forma, ficou o alerta. Devemos nos precaver e o meio pelo qual os identificaremos se dá por meio de um critério analítico de seus frutos: “Pelos seus frutos os conhecereis” (Mt 7.16a). Fica claro que precisamos aperfeiçoar nosso senso kritikós, afinal, os tomates “proféticos” estão fresquinhos ou estragados?
Gospel Prime

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