É
somente na Graça que a Escritura não é uma pedra seca e morta. Ora,
para que entendamos isto melhor, é necessário que olhemos com carinho
para o texto de Paulo em II Coríntios 3:1-18.
A
relação de Paulo com os Coríntios foi forte e contundentemente
passional. Ele chegara à cidade e lá encontrara Priscila e Áquila — um
casal de Judeus que havia deixado Roma porque Cláudio, o Imperador,
ordenara que de lá saíssem todos os judeus.
E
como eram do mesmo ofício, Paulo e Áquila, começaram a trabalhar e
morar juntos, fazendo tendas. Aos sábados, todavia, Paulo pregava na
sinagoga.
Havendo
conturbação entre os judeus ante a mensagem da Graça em Cristo
anunciada pelo apóstolo, Paulo não teve mais ambiente para permanecer
usando a sinagoga como lugar de pregação. Então, iniciou seus ensinos da
Palavra na casa de Tício, que era vizinha à sinagoga.
Em
meio a não poucos conflitos, envolvendo ameaças de natureza tanto legal
quanto à vida de Paulo, este temeu. O Senhor, todavia, numa daquelas
noites, lhe falou, dizendo: “Não temas! Fica na cidade, pois eu tenho
muito povo nela”. Paulo, portanto, permaneceu em Corinto quase dois
anos.
A relação dele com a igreja que ali nasceu tornou-se forte, e, como já disse, de certa forma, passional!
Para
concluir isto, basta que se Leia as duas epístola que Paulo lhes
escreveu. Todavia, é na segunda carta aos Coríntios que esse sentir
apaixonadamente dolorido melhor se expressa.
O
interessante é que mesmo em meio à paixão humana do apostolo, é fácil
perceber como seus sentimentos aparecem sem comprometer jamais a verdade
da Palavra.
Paulo
era um homem que sabia sentir a dor da rejeição sem deixar de expor,
com isenção, a verdade da Palavra, não adulterando-a jamais a seu favor!
Ora,
é nessa viagem entre o sentir humano e a revelação da Palavra, que a
verdade se manifesta como resposta divina ao contexto em questão!
A
revelação, raramente, não se faz acompanhar pelo sentir de seus
mensageiros. Sábios são aqueles que a separam de seu próprio sentir ou
os que sentem sem, todavia, sentimentalizarem a revelação à seu favor.
É só assim que uma carta de um ser machucado pode se tornar uma epístola de um ser inspirado!
Neste
trabalho, no entanto, não desejo explorar essa dimensão da veicularão
da revelação através dos ambientes conturbados da alma do mensageiro.
Para mim, isto é tão óbvio que, pelo menos agora, não é do nosso
interesse imediato.
A
epístola toda tem sido objeto de inúmeros estudos eruditos. Os
“arranjos” à que ela tem sido submetida, são inúmeros. Para nós, no
entanto, todas as discussões de natureza literária são irrelevantes. O
que vale é a mensagem e, esta, não importando as interpretações de
natureza histórico-literária, é a mesma:
Um
apóstolo apaixonadamente sofrido, sentindo-se traído e desconsiderado
pela igreja que fundou, e que, agora, além de des-conhecer seu pai
espiritual, ainda se entregava às seduções de “falsos apóstolos”, dos
“obreiros fraudulentos”, que “adulteravam a Palavra de Deus”, e criavam
um “outro evangelho”, pois eram, de fato, “mercadores do “evangelho”,
ainda que tivessem o impressionante “poder” de se transformarem em
“anjos de luz e ministros de justiça”.
A
questão é: que “obreiros” são esses e que “evangelho” é esse que
subverte aquilo à que Paulo chama de Evangelho da Graça de Deus?
É
opinião praticamente unânime que os tais “adulteradores da Palavra”
eram os cristãos judaizantes ou os judeus próximos à igreja, e que
tentavam, insistentemente, trazer aos cristãos a culpa de não serem
pessoas que observam a Lei de Moisés. A prova disto é a seqüência do
texto, onde as ilustrações são todas as da Lei e de sua produção na
mente humana.
Como
eu disse inicialmente, corre-se o risco de se ficar tão impressionado
com as “pulsões” emocionais do homem Paulo neste embate, que deixa-se de
perceber a mensagem.
Ou
seja: fica-se com o que está “escrito” e não se percebe, ao nível da
Palavra, o que está, também, “dito”, como expressão dos conteúdos da
revelação!
Propositadamente
abandono aqui os aspectos de natureza histórico-factual e mergulho
exclusivamente na mensagem que Paulo faz viajar em meio às suas dores e
passionalidades apostólicas.
Ora, assim fazendo, o que se vê, é, basicamente, o seguinte:
O
que o ministério de Paulo gerara neles, pela obra do Espírito, era algo
que realizava o sonho dos profetas, que era ver a Palavra inscrita não
nas exterioridades do comportamento assustado pela Lei, mas impressa na
consciência, nos ambientes do coração.
Os
resultados da interiorização da Palavra, inscrita pelo Espírito do Deus
vivente na consciência humana, não era humanamente realizável, sendo,
portanto, algo à que Paulo se refere excluindo-se como agente essencial,
pois, ele sabia, aquela era uma obra para a qual não há meios humanos
de faze-la acontecer. A participação de Paulo era—sem suficiência
própria—, apenas pregar o Evangelho da Graça e crer que o resto do
trabalho era obra do Espírito de Deus.
A
certeza de Paulo de que dera um passo muito para além das basicalidades
das pregações estereotipadas e exteriorizadas sobre as virtudes da Lei,
vinha do fato que ele sabia que a Lei—conquanto boa e santa—, servia
apenas para mostrar a nossa “insuficiência”, em relação a sermos salvos
por ela. Paulo não se sentia suficiente nem mesmo para pregar a Graça e
suas virtudes—como se procedessem dele—, quanto mais a Lei, como se por
ela alguém pudesse ser salvo!
O
argumento dele é o de sempre: “a letra mata”. A observância da Lei
salvaria apenas aquele que pudesse cumpri-la toda. E como não existe, à
parte de Jesus, ninguém que a tenha cumprido complemente—dos ambientes
interiores às suas sutis exterioridades—,todos, portanto, por ela, se
colocavam apenas sob os desígnios da culpa e da morte.
Tendo
isto em mente, chega agora a hora de olharmos para a Palavra e não
apenas para a “epístola de Paulo”. E qual é a “mensagem” que ela carrega
para nós hoje?
Inicialmente,
Paulo diz que a Lei e sua Gloria são coisas de outrora, diante da
sobreexcelente Gloria do evangelho da Graça de Cristo. Todos os verbos
por ele usados em relação à Lei a posicionam no passado da revelação da
Graça.
O
que segue é a incomparabilidade de ambas as revelações: A Lei era
externa, a Palavra é interna. A Lei era o ministério da morte, a Palavra
é o ministério da Vida. A Lei falava de condenação, a Palavra fala de
justificação. A Lei se desvanecia, a Palavra brilha de Gloria em Gloria.
E
é neste ponto que Paulo assume a maior ousadia quando compara a
caducidade, o esclerosamento da Lei frente a eterna vida produzida pelo
ministério do Espírito.
Mas sua ousadia não pára aí. Ele chama, fundado na certeza da Graça, até mesmo Moisés para um frente a frente, pois, diz:
“E
não somos como Moisés que punha véu sobre a face, para que os filhos de
Israel não atentassem na terminação do se desvanecia”.
Assim,
ele diz que na Graça ele se sente com ousadia para tirar até mesmo a
mascara de Moisés. O véu de Moisés, para Paulo, não escondia a Gloria,
mas seu desvanecimento, sua morte, sua incapacidade de reacender a face,
mediante a Lei, com a Luz da Graça.
O
problema, para o apostolo, é que aquele véu se tornara um elemento de
natureza espiritual. O véu se transformara numa camada de presunção que
cegava os sentidos para as demais percepções da vida!
Ora,
como a Lei estava dada, e sua constituição era fixa—desde o elemento no
qual fora inscrita: pedra—, até mesmo as suas observâncias externas
tornavam-se, também, fixas. Portanto, dela não se poderia esperar que
nascesse vida, pois, esta acontece apenas onde há o humos da liberdade.
Assim, diz Paulo, há um véu espiritual sobre os sentidos embotados de todos os legalistas, sejam eles judeus ou não!
A Lei embota os sentidos!
A Lei tira a sensibilidade para a Palavra!
Somente
a “conversão” ao Senhor—e aqui Paulo não fala de se tornar “cristão” ou
“membro de igreja” ou “crentes na Bíblia”, conforme hoje entendemos a
idéia de “conversão”, mas de se render à Graça em Cristo—, é o que pode
des-anuviar os sentidos cegados pela presunção gerada pelo sentimento de
superioridade oriundo da observância externa da Lei, bem como, pelo
pre-conceito que dela se origina, criando uma barreira invisível para a
percepção da Palavra no coração.
“Até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles”—é o que diz Paulo!
O
que Paulo nunca imaginou é que dois mil anos depois nós ainda
constatássemos a mesma cegueira, e muito menos ainda poderia ele
imaginar que tivéssemos que repetir a sua frase relacionada aos judeus
legalistas, agora, reatualizada e aplicada aos “cristãos”.
“Até
hoje, quando é lida a Bíblia, o véu está posto sobre o coração deles”—é
o que com dor melancólica tem-se que dizer acerca da grande maioria dos
cristãos, especialmente de seus “lideres” e “mestres”.
Assim,
o que se disse acerca “deles” é o mesmo que hoje temos que admitir
acerca de “nós mesmos”, pois, se ainda há Lei, não há revelação da
Graça.
Isto
porque somente na Graça o véu é retirado. E este tirar o véu é fruto da
libertação do medo, e que só acontece em nós como obra do Espírito no
coração do ser humano que não tem nenhum tipo de auto-suficiência,
porque confiou des-assustadamente na obra consumada de Jesus na Cruz.
Assim, onde está-há o Espírito do Senhor, aí está-há liberdade!
Neste ponto o argumento de Paulo nos remete, na Graça, para uma postura diametralmente oposta àquela gerada pela Lei!
A
Lei cobre o rosto, esconde o ser, camufla a culpa, veste-se de
exterioridades compartimentais, se jactancia de seu conhecimento e teme
mostrar a cara a Deus e ao próximo, daí, pela Lei, o ser não revelar
jamais seu interior, pois, em o fazendo, mostrar seu estado de
desvanecencia!
Na
Graça, todavia, a salvação é o posto. Se a Lei cobre a face e esconde o
ser, o Espírito, e a confiança na suficiência de Cristo, nos põe no
extremo oposto dessa atitude:
“E
todos nós com o rosto desvendado, contemplando como por espelho a
gloria do Senhor, somos transformados de gloria em gloria, na sua
própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito”—é o argumento antitético
de Paulo.
E mais: não é algo apenas que ocorre na perspectiva individual, mas também, comunitária. Afinal, Paulo diz: “E todos nós...”
A
minha tentação agora é prosseguir em II Coríntios. Todavia, julgo ser
mais sábio—a fim de ser também sintético—, parar por aqui a fim de
verificarmos as implicações dessa verdade em relação à nossa temática.
Primeiramente
quero chamar a sua atenção para um fato. A maioria dos comentaristas
bíblicos fica tão aferrado ao sentido “histórico” da Escritura em
questão que não se dedica à percepção do que está dito para nós hoje.
Em
segundo lugar, fica também claro que como nós somos seres ocidentais—
de origem não judaica apesar de que, quase todos nós, sermos pessoas de
origem culturalmente judaico-cristã—, na maioria das vezes, nos
permitamos ler a passagem apenas como critica aos judeus legalistas ou
aos cristãos judaizantes; esquecendo-nos que a Escritura em questão não é
“pedra”, é Palavra do Deus Vivente, e é re-atualizada em cada novo
contexto da história. Portanto, é algo para nós, hoje!
A
terceira observação é que as implicações do que Paulo diz aqui,
transcendem, em muito, ao contexto histórico imediato, e recaem sobre
todos os conteúdos da Teologia Moral de Causa e Efeito—sejam eles
judaicos, espíritas kardecistas, afro-ameríndios, católicos,
evangélicos, animistas ou hindus!
Aí está o nosso problema: nós lemos a Palavra emblematicamente, o que nos faz pensar que ela foi dirigida a “outros”, não à nós!
Assim,
onde se diz judeu não se pensa em nada que não seja “judaico”. É o que
está “escrito” trabalhando contra o que foi “dito”!
A
questão é que na maioria das vezes, onde se lê, negativamente, “judeu”
ou “fariseu”, dever-se-ia ler “legalista”, “moralista”,
“auto-suficiente”, ou mesmo, um praticante de qualquer Teologia Moral de
Causa e Efeito e seus pretensos elementos de auto-justificação,
fundados na presunção humana de agradar a Deus por seus próprios
méritos!
Ora,
isto posto, o texto em questão tem naqueles que Paulo chama de “todos
nós com o rosto desvendado” um grupo que na história do Cristianismo é
uma minoria insignificante!
A
maior parte de nós é membro da “igreja em Corinto” e somos traidores do
apostolo Paulo, pois nos entregamos aos “falsos apóstolos” e a seu
“evangelho adulterado”, mesmo que embrulhado com papel de presente
estampados com símbolos “cristãos”.
Quem, honestamente, pode dizer que a História do Véu não é também a História do Cristianismo?
Quem,
sinceramente, não percebe que nós somos hoje, na maior parte dos casos,
a repetição dos mesmos conteúdos humanos e espirituais contra os quais
Jesus, os profetas, Paulo, os apóstolos e a Palavra se insurgem nas
Escrituras?
Ninguém se engane!
Nós, cristãos, somos também parte do Povo do Véu! E nossos sentidos estão igualmente embotados para a percepção do Evangelho!
Como eu já disse antes, a aceitação do Jesus Histórico nada tem a ver com o acolhimento dos conteúdos de Sua Palavra!
Ou seja:
É possível conhecer a Jesus segundo a carne e não segundo o Espírito!
É
a pressuposição da vigência da Lei o que nos impede de discernir o
espírito da Palavra e a palavra do Espírito, com liberdade para mostrar a
cara, crendo que somente pela expressão des-amedrontada do ser que
confiou na Graça, é que vem a conversão incessante, de gloria em gloria,
tendo a Jesus como a referência-infusa-cotidiano-existêncial, para a
mudança.
Hoje as pessoas se convertem à “igreja”, não à Cristo!
É
por esta razão que os conteúdos do Evangelho da Graça estão tão
adulterados entre nós. E pior: não enxergamos nada disso, pois, à
semelhança deles—os judeus, os fariseus, os cristãos judaizantes—,
nossos sentidos também estão “embotados”.
A Graça é hoje a mais escandalosa de todas as mensagens cristãs!
E
é por esta razão que não se pode nem mesmo usar mais as “nomenclaturas”
do Cristianismo a fim de definir o conteúdo das palavras do Evangelho,
pois, quase todos os termos se revestiram de outras conotações e de
outros conteúdos.
A
terminologia já não serve mais, pois, seus conteúdos foram adulterados
por um “outro evangelho”, que usa os termos de sempre, mas nega, na
prática, seus conteúdos inegociáveis e eternos!
Por
exemplo, para Paulo, “lutar juntos pela fé evangélica” significava não
fazer concessões que adulterassem os conteúdos do Evangelho da Graça de
Deus!
Hoje, todavia, isto significa nos unirmos contra os que não nos aceitam como os “representantes” de Cristo na Terra!
Ora,
neste sentido—com as conotações que a palavra “evangélico” carrega
entre nós—, Paulo já não a usaria, pois, nossa prática relacional nega
aquilo que ele entendia como evangelho; e nossos conteúdos, falsificam
ainda mais o significado original da mensagem à qual ele fazia
referência.
Pior
do que isto, entretanto, é saber que Paulo, por exemplo, não nos
reconheceria como cristãos, mas como pagãos não convertidos ao Evangelho
da Graça de Deus!
Por muito menos ele escreveu aos Gálatas e aos Coríntios temendo haver corrido em vão!
Mas
e se ele estivesse presente num ano eleitoral no Brasil? Se visse e
soubesse de todas as negociações de almas-votos que são feitas em Nome
de Jesus? se visse “cristãos” curvados aos ídolos visíveis e invisíveis,
cultuando imagens—que vão das de barro e gesso à imagem como reputação
ou, marketeiramente, apenas como “imagem”? e se assistisse pela
televisão a venda de todos os significados cristãos na forma de crença
em objetos de energia espiritual pagã? e se visitasse uma “igreja” e
assistisse filas de pessoas para andarem sobre sal grosso, ou para
mergulharem em águas tonificadas do Jordão e a passarem pela Cruz de
Jesus—que nesse caso é iluminada com neon e não passa de um tapume
religioso extremamente brega—a fim de ganharem um carro zero, como
pagamento pela sua crença? e se ele soubesse agora que a fé é um
sacrifício que se expressa como dízimos, como troca de bênçãos por
dinheiro, de cura pelo sacrifício de longas novenas e correntes, que só
não são “quebradas” se a pessoa não deixar de largar sempre algum
dinheiro no altar-bolso dos pastores?
O
que enojaria a Paulo, todavia, seria ver pastores oferecendo o “sangue
do Cordeiro” ––e que no caso é um suco de uva—e, segundo o anuncio, a
pessoa deve ir ao templo e levar para casa o “sangue do Cordeiro” a fim
de ungir a casa de trás para frente e da frente para trás. Desse modo
estão voltando para muito menos que as materialidades da imolação do
sangue de um cordeiro—ordenada por Deus no Êxodo — indo para um poderoso
suco de uva. E o suco de uva, que é menos que o sangue de um cordeiro
na simbolização do Êxodo—período usado pela seita para amparar
biblicamente a sua campanha de dinheiro—, é apresentado como “o Sangue
do Cordeiro”, que não é mais o que Jesus fez na Cruz e é apropriado
somente pela fé na Palavra, mas passou a ser um fetiche, uma pedra de
toque, uma imantação animista da uva, uma regressão ao paganismo mais
primitivo, uma mágica de bruxos, uma blasfêmia, um estelionato satânico
de uma verdade com a qual não se brinca impunemente: “Quem comer a minha
carne e beber o meu sangue, tem a vida eterna... As palavras que vos
tenho dito são espírito e são vida”—conforme o Cordeiro.
Desse
modo, Paulo veria aturdido o regresso da fé evangélica aos tempos dos
cultos feitos à Baal, para as imagens de escultura, para um tempo onde
nem sombra ainda havia das sombras das coisas que haviam de vir.—coisas
essas, que até mesmo perderam a simbolização em razão de Jesus haver
sido o cumprimento de todas elas! A epistola aos Hebreus foi escrita por
muitíssimo menos!
Fazer
o que estão fazendo da santidade do sangue do Cordeiro, tornando-o num
amuleto de infusão animista e de interesse cambista, e que se
materializa num suco de uva que carrega em si o poder de benzer uma casa
e protege-la de todo mal, é insuportável, enojante, blasfemo e é
Anátema!
Paulo vomitaria!
E Jesus?
O
escritor de Hebreus diria que estão brincando com fogo ardente e
consumidor e crucificando o Filho de Deus não apenas uma segunda vez,
mas todos os dias—fazendo Dele um produto de barganha, mágica e
fetichismo, e que leva as pessoas não à Jesus, mas sim à “sessão”, pois,
também segundo os mesmos “pastores”, Deus só fala no lugar onde eles,
os pastores, estão com a sacola na mão!
E
eles precisam que Deus se confine em seus templos, se imante nos seus
sucos de uva—e outros produtos mágicos—e se deixe comprar pelo dinheiro
depositado como sacrifício aos pés desses lobos que oferecem a Jesus
como “poder” que se leva para casa em “pacote”; Cristo como “produto
simbólico” que pode ser o Pai das luzes, não conforme Tiago, mas
conforme Alam Kardec; o Sangue do Cordeiro como suco de uva bom para
“proteger a casa”; sim! assim fazendo do que foi feito por Jesus, de
Graça, de uma vez e para sempre, algo a ser vendido pelos camelôs do
engano e do estelionato!
Meu Deus, e se... Paulo visse...!?
Sim,
e se Paulo nos visitasse? Que epístola nos escreveria? Será que a
escreveria? Será que não nos trataria como o fez com as “sinagogas”
durante a sua vida?
Ou
seja: sendo acolhido e sendo-lhe dada a palavra, ficava até ser
expulso, para depois disso abrir uma nova porta à Palavra, mesmo que
fosse na casa vizinha, como foi no caso de Corinto!?
Ora,
ser evangélico, antes–digo: para Paulo—significava ter compromisso de
fé e vida com o Evangelho de Jesus. Hoje, ser “evangélico” é pertencer a
uma “igreja”, uma instituição religiosa que roubou o direito autoral do
termo, falsificou-o e se utiliza dele praticando um terrível
“estelionato” simbólico.
Assim,
ser evangélico já não tem nada a ver com ser Povo das Boas Novas de
Jesus, mas ser membro de uma instituição religiosa que se utiliza das
terminologias, enquanto, na maior parte das vezes, nega os conteúdos
originais da expressão.
E
se continuarmos assim, dentro de pouco tempo, quem for genuinamente
evangélico—ou seja: alguém que crê conforme a Boa Nova da Graça em
Cristo revelada nos evangelhos—, terá que deixar de se auto-definir
desse modo sob pena de que as pessoas pensem que o Evangelho tem alguma
coisa a ver com os “evangélicos”.
Nos dias de hoje, quase sempre, ser “um evangélico” já não tem nada a ver com ser evangélico conforme o apostolo Paulo.
Hoje,
quando um evangélico “evangeliza”, em geral, ele o faz a fim de que a
“igreja” cresça como poder histórico visível. Ou seja: “evangelização”
significa crescimento numérico sob o pretexto de que se quer salvar as
almas do inferno. Pelo menos é isto que se diz e é isto que as “ovelhas”
pensam, pura e ingenuamente.
De
fato, se se conversar ou se se tiver alguma intimidade com o meio
pastoral, ver-se-á que na maioria das vezes corre-se não atrás da vida
humana, mas dos recursos humanos que com as multidões também chegam para
dentro do negócio religioso.
Portanto,
não é de admirar que o marketing seja hoje um dos mais importantes
instrumentos usados pela “igreja”. Apenas uma “igreja” precisa de
marketing. Isto porque quem de fato é, não tem que se preocupar em
parecer ser.
O
marketing religioso é o lugar onde nossos ídolos são fabricados e
polidos, de tal modo que sua “imagem” possa continuar a inspirar os
devotos ou a enganar os que se impressionam com aparências.
O marketing como pro-moção pessoal, é moral, pois, é imagem de escultura, sendo, também, idolatria!
Explosão
numérica, na História da Igreja, quase sempre correspondeu a diluição
tanto da Palavra, como do caráter do discipulado, bem como implicou em
des-significação da alma humana, afinal, uma multidão pode se beneficiar
da Palavra, quando há Palavra, mas não pode experimentar reconstruções
de individuação, pois, nas massas, ninguém cresce como indivíduo na
comunhão fraterna, na afirmação individual e nos carinhos de quem
conhece e se importa, pois, tais realidades, inexistem em todo processo
de massificação.
Além
disso, milhares de “acomodações” precisam ser feitas em relação ao
conteúdo essencial do evangelho quando se utiliza do marketing religioso
ou das associações políticas, culturais e econômicas que daí advêm— ou
seja: da rendição ao significado-des-significado do capital das massas,
que são reduzidas apenas ao testemunho de poder majoritário que elas
trazem aos lideres, enquanto as almas dos indivíduos viram apenas
números.
Quando
Paulo evangelizava isto significava levar às pessoas a consciência da
Graça salvadora de Jesus e da possibilidade da experiência da
liberdade-salvadora, tanto na perspectiva individual, como também na
comunitária. O resultado, portanto, não é o surgimento de um número a
mais para as estatísticas celestiais, mas uma nova criatura, que já
começa a se humanizar na Terra, nos vínculos e nas mutações dinâmicas e
permanentes que o Espírito da Graça, em Cristo, faz nascer no Novo
Homem!
Desse
modo, como já disse antes, se Paulo estivesse vivo hoje, provavelmente,
ele nos diria que nós ainda não somos convertidos, pois, voltamos
atrás, e aderimos aos conteúdos que negam a Cruz de Cristo!
Isto
nos coloca, no mínimo, diante de três reflexões. A primeira é que a
atual “consciência cristã”, é, na maior parte das vezes, anti-cristã, e
uma clara e escrachada negação dos conteúdos do Evangelho de Jesus!
A
segunda, é a impossibilidade hermenêutica de que a Leitura da Escritura
feita com “véu na face” possa nos conduzir à revelação da Palavra da
Graça!
Portanto,
não importa o “método” ou a “escola hermenêutica” em questão. Na Graça
até o pior de todos os “métodos” trás mais revelação da Palavra que o
melhor método hermenêutico usado com as viseiras da Lei, da Moral, dos
Legalismos, dos Carismatismos narcisistas (que faz do totem carismático a
forma referencial de ser para os demais), e seus derivados!
Todos são apenas o sub-produto da formula conceitual da Teologia Moral de Causa e Efeito!
?
É
triste ver pessoas cristãs, inteligentes, cultas, preparadas, letradas,
instruídas, e com capacidade de “ler”, não conseguirem levar as
implicações do que entendem, mesmo do ponto de vista da compreensão
cognitiva, até as últimas conseqüências de sua própria percepção!
E
por quê? Porque ainda estão presas às sistematizações da Lei às quais o
Cristianismo subjugou a Palavra que pode nos libertar! Mas não sendo a
Palavra, não liberta. E se não liberta, escraviza e gera medo!
Enquanto
não se abandona o véu e se põe a cara para fora, olhando na Graça para a
Graça, não se vive a dinâmica da conversão que muda não apenas as
exterioridades do comportamento, mas as essências do ser e isto de modo
constante e permanente.
Afinal, são dinâmicas diametralmente opostas entre si: uma cobre a face, a outra a põe para fora!
Ora,
isto no remete para a terceira constatação. A Teologia Moral de Causa e
Efeito—que é a mãe da Síndrome do Véu—é a patrocinadora de nossas
piores doenças!
O
medo que esconde o ser transforma o interior humano num viveiro de
enfermidades psicopatológicas. Literalmente, o ser se desvanece. Assim é
que a História do Cristianismo é eivada de enfermidades numa
demonstração tão escandalosa que nega a fé em Jesus.
Ou
seja: se o Evangelho de Cristo gera algo como o Cristianismo e seus
derivados históricos—incluindo-se, obviamente, os “evangélicos”—então,
ele não é a Verdade!
Assim,
os cristãos, até neste particular, foram objeto de seu próprio veneno e
juízo sobre os demais homens. Pregaram não a Graça, mas a teologia de
causa e efeito e seus veredictos.
Hoje—e
não é de hoje—os mesmos critérios se voltaram contra nós. Ao nos
oferecermos ao mundo como o efeito visível de nossa relação causal com
Deus, e, após isto, com a maior cara-de-pau, nos exibirmos como a
demonstração comportamental do efeito, sem o percebermos, demos e
continuamos a dar um passo a mais em nosso auto-enagano: jactamo-nos de
nosso comportamento e, sem o discernirmos, tornamo-nos aos olhos do
mundo a Causa de nossa própria salvação. E como nosso “showcase” de
comportamento nega a mensagem de Jesus, e, pior ainda, como nossa saúde
humana e histórica não visibiliza nem mesmo aquilo do que nos
jactamos—nossa superioridade Moral e humana sobre os demais homens—,
caímos em nossa própria armadilha e desviamos o olhar humano do único
ponto de referência para todos—para o indivíduo, a igreja e o mundo—,
que é Cristo.
Esta
é a razão pela qual o Cristianismo, no mundo ocidental, tornou-se o
principal patrocinador da des-percepção do Evangelho e o agente mais
corruptor de todos os conteúdos da Verdade de Deus em Sua Palavra.
O
Cristianismo histórico se tornou o pior promoter de qualquer Palavra do
Evangelho, pois, para nós, o Evangelho é apenas uma versão cristã da
Lei, e de uma Lei brega, feia, estereotipada, infantil, presunçosa e
des-cumprida pelos seus patrocinadores.
Assim, a doutrina do Purgatório é verdade para todos os cristãos—incluindo os protestantes e evangélicos!
E
por quê? Ora, dizemo-nos “salvos” pela Graça, na chegada. Daí em
diante, somos “santificados” pela Lei. Então, ficamos num limbo, num
purgatório existencial sobre a Terra, pois, nem nos tornamos filhos da
Graça a vida toda e nem nos entregamos aos rigores da Lei com
honestidade. Desse modo, não usufruímos nem a saúde e nem a paz que vem
da Graça e, nem tampouco, conseguimos viver pela Lei. Ou seja: vivemos
em permanente estado de transgressão e culpa.
E
quanto mais existimos nesse “purgatório”, mais orgulhosos, raivosos,
arrogantes e mal-humorados nos tornamos. Afinal, nós sabemos que nós não
passamos de um grande “estelionato” histórico, pois, no coração, nós
temos consciência de que não somos nem uma coisa nem outra: nem Gente da
Graça e nem tampouco o Povo da Lei.
Então, nos tornamos os doentes que vendem cura!
Somos
como o homem que sofreu um derrame generalizado—perdendo seus
movimentos e poder de agir—e, ainda assim, se oferece ao mundo para dar
aula de levantamento de peso, estética corpórea, e garante que é capaz
de correr as Olimpíades, não sendo capaz de nem mesmo enxugar a própria
baba que cai de seus lábios arrogantemente murchos, e, muito menos
ainda, é capaz de cuidar do próximo que vive ao seu lado no mesmo
estado.
O Cristianismo não se enxerga. E os cristãos, raramente, o conseguem fazer!
Meu
trabalho há muitos anos é tentar separar, ante a percepção histórica
das pessoas, o que é o Evangelho daquilo no que o Cristianismo se
tornou. Assim, vou vendo muitos voltarem a Cristo, ainda que, em muitos
casos, jamais consigam botar os pés numa “igreja”. E, agindo assim,
penso estar, de fato, também evangelizando, anunciando a Boa Nova aos
Gentios como eu mesmo; ou seja: dizendo-lhes que estamos livres do
Cristianismo a fim de podermos servir a Deus em novidade de vida e não
segundo a caducidade da letra e nem tampouco de acordo com a perversão
cristã do evangelho.
Assim
faço por julgar que essa é a única maneira de ajudar aqueles que
encontraram a Jesus, mas que jamais conseguiram encontrar na Terra a Sua
Igreja porque esta não está perceptível aos nossos sentidos históricos,
institucionalmente falando!
O Cristianismo não carrega nem os conteúdos do Evangelho e nem se parece com Jesus!
E
como creio que o Evangelho de Cristo é a Verdade que liberta, só
posso—juntamente com milhões de outros seres humanos—, pensar que o que
experimentamos, na maior parte do tempo, até aqui, é uma “falsificação
do evangelho”, especialmente porque os conteúdos do Evangelho de Cristo
foram institucionalizados como doutrinas ( a letra mata) e formas (odres
envelhecem) que negam a Graça, a Misericórdia e a Liberdade em fé, que
Jesus conquistou na Cruz.
Jesus
não veio ao mundo para criar um Circo, em alguns casos; uma
Penitenciária, conforme outros casos; um Estado Soberano, conforme o
Vaticano Católico e os “vaticaninhos” dos outros grupos e seitas
cristãs; e, nem tampouco, um Hospício, como acontece na maioria dos
casos!
Além
disto, Ele não veio ao mundo para que Sua mensagem se transformasse
numa ideologia moral ou política; e, nem ainda, para que ela, a
mensagem, gerasse uma espécie de Admirável Mundo Novo, onde, pelo
controle, todos se tornassem clones de comportamentos que matam as
produções individuais e saudáveis das dinâmicas do ser.
Até
mesmo a Reforma Protestante não percebeu o tamanho nem a profundidade
do engano ao qual nós, cristãos, nos havíamos rendido,
inconscientemente, é claro!
As
95 tese de Lutero puseram a Escritura, Cristo, a Graça e a Fé num
pacote “sistematizado”, como se fossem coisas diferentes uma da outra.
O
que nem Lutero e nem Calvino—o mais culto deles, embora Lutero pareça
ter sido mais humano em suas expressões francas sobre sua condição
humana— perceberam em plenitude, é que havia não apenas uma “Reforma
Doutrinária” a ser feita, mas, muito antes disso, uma “Desconstrução do
Pressuposto Conceitual” a ser realizada!
E
por quê? Porque o problema não era, sobretudo, “doutrinário”. Os erros
doutrinários da Igreja Católica não eram “tópicos isolados”. Eles eram
todos o sub-produto da mesma e única coisa: a Teologia Moral de Causa e
Efeito, que estava presente em tudo e que continuou, mesmo que sob
outras insígnias, a determinar também os valores do Protestantismo.
Crendo
assim, Lutero não precisaria de 95 teses. Bastava uma. E essa é aquela
“única” tese de Paulo em todas as suas epístolas: a Graça de Cristo é o
fim de toda Lei e o começo-realizado de toda Vida, para a paz e a
justiça de todo aquele que crê!
As
demais “teses” não passavam de aplicativos históricos e
circunstanciais, mas o Protestantismo as transformou, posteriormente, em
letras e formas fixas, perdendo assim, outra vez, as mobilidades e
liberdades histórico-aplicativas da missão de fazer nascer uma reforma
que sempre se auto-reformasse, conforme os tempos e as épocas, e de
acordo com a Imutabilidade dos Princípios da Palavra. A tese, portanto, é
uma só. Os aplicativos e suas des-construções e re-construções é que
precisam ser permanentemente re-atualizados!
E
mais: é somente quando se tem a coragem de se fazer essa ruptura
radical é que o véu sai da face e nós ganhamos, movidos pelas certezas
da fé na Graça, a coragem de botar o rosto para fora, saindo de nossos
medos, sombras, fobias e auto-justificações neuróticas!
Neste
sentido, perdoem-me os irmãos que beatificaram São Lutero e São
Calvino—que, sem dúvida, são “santos protestantes” com as mesmas
características de infalibilidade interpretativa da Escritura de um Papa
Católico—, acerca dos quais eu digo, sendo muito menos atrevido do que
Paulo— quando do ponto de vista judaico de seus dias, disse “E não somos
como Moisés...”—, que aqueles dois baluartes da fé, Lutero e Calvino,
ainda ficaram aquém do que é radicalmente proposto, pois, por razões que
somente a Deus pertencem
Cáio Fabio
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