Apresento ao querido leitor do Gospel Prime algumas considerações que
 levei à 11ª Escola Bíblica de Obreiros (EBO) da Convenção Fraternal de 
Ministros das Igrejas Evangélicas Assembleia de Deus no Estado da Bahia,
 convenção esta que se reuniu entre os dias 29 de junho e 1 de julho em 
nossa capital. O tema da convenção era “Princípios: defendendo a nossa 
fé”, e planejei, como tema de minha preleção, o que consta agora como 
título deste artigo.
Os textos que nos serviram como ponto de 
partida foram os de I Co 13.11; 14.20-33, 39,40 e Cl 1.26,27, cuja 
leitura recomendo – os de I Co  referem-se ao exercício dos dons 
espirituais no culto, e os de Cl aludem ao “mistério”.
Sendo membro e ministro filiado a uma igreja pentecostal histórica 
(Assembleia de Deus), preocupo-me com algumas crenças associadas, na prática,
 ao Movimento Pentecostal, entre as quais se acha o denominado “reteté” 
(ou “repleplé”), o qual, embora estranho ao pentecostalismo histórico ou
 clássico, parece ser visto por muitos como a própria essência do 
pentecostalismo.
O reteté – uma praga surgida no seio das igrejas 
pentecostais na década de 1990 – caracteriza-se por comportamentos 
esquisitos durante o culto, erroneamente atribuídos ao exercício de dons
 espirituais num contexto de suposto derramamento do poder do Espírito.
Tais
 comportamentos anormais incluem cair ou dançar “no Espírito”, ficar 
estalelado no chão com os braços para cima, gritar (de alegria ou de 
angústia), urrar (como animais), deitar-se ou rolar no chão, sacudir-se,
 tremer compulsivamente, ficar em transe, sair correndo pelo salão da 
igreja, ropopiar, pular, movimentar o corpo para baixo e para cima, 
marchar, rir descontroladamente, espalmar as mãos e mover os braços de 
forma circular, entre outros. Algumas dessas atitudes lembram práticas 
de outras religiões, e já existem aqueles que, em reuniões da igreja, 
acham que precisam vestir roupa branca ou tirar os calçados dos pés 
quando assumem o púlpito.
Quando eu era criança, ouvia o termo 
“meninice” como forma de os assembleianos se referirem ao que hoje 
conhecemos por “reteté”. “Meninice” é vocábulo derivado do texto em que o
 apóstolo Paulo diz, tratando dos dons espirituais, que se comportava 
como menino na época em que era menino, vindo a agir como homem ao 
chegar à idade adulta (cf. I Co 13.11). Uma outra expressão utilizada 
pelos meus irmãos assembleianos para aludir a tal tendência era (e é) a 
mui eloquente (e bíblica) “fogo estranho” (cf. Lv 10.1-3).
A 
partir de textos como estes, os crentes e líderes assembleianos, de modo
 simples, mas arguto, reconheciam no reteté um fenômeno divorciado da fé
 pentecostal e próprio de crentes imaturos.
O termo “reteté” 
parece consistir numa onomatopeia derivada do som de pés batendo no 
chão, algo que se verifica frequentemente na atitude de adeptos desse 
movimento. Criou-se também, nesse meio, um dialeto próprio, que envolve 
termos como “canela de fogo”, “sapatinho de fogo”, “manto”, “fogo puro”,
 “terra”, “nébias”, num glossário utilizado tanto pelos praticantes do 
movimento como por alguns pentecostais clássicos, que o fazem comumente 
de maneira jocosa.
É importante reconhecer as razões pelas quais o
 reteté encontrou espaço no ambiente pentecostal, e talvez algumas 
dessas razões tenham cunho social, cultural e existencial: como as 
igrejas pentecostais são formadas principalmente por pessoas menos 
favorecidas, a pregação formal e a liturgia solene das igrejas 
históricas pode ter ensejado certo distanciamento entre a liderança e o 
povo, enquanto nas igrejas pentecostais há grande espaço para os leigos,
 que se manifestam pela oralidade e, no reteté, também pela 
“corporalidade”*, o que oferece uma sensação de pertencimento e de 
poder.
Diga-se, aliás, que um dos efeitos do reteté é o 
empoderamento de figuras aparentemente cheias do Espírito, não raro 
mulheres, ao lado das quais se veem pastores submissos, ao mesmo tempo 
encantados com tamanho “poder” e ávidos por auferir os benefícios de um 
público ampliado. Assim, mesmo igrejas que não ordenam mulheres ao 
pastorado acabam sendo, na prática, pastoreadas por algumas delas, sendo
 comum pessoas irem àquela igreja somente quando a irmã está ali “para 
revelar”.
Outro aspecto digno de nota é o abismo que existe entre 
três níveis de teologia pentecostal, como explicado pelo pastor e 
teólogo assembleiano Claudionor Correa de Andrade**: o nível oficial, o 
nível acadêmico e o nível místico.
Pensemos aqui no campo 
assembleiano, até porque se trata da maior igreja pentecostal (e 
evangélica) do Brasil, de onde surgiram tantas dissidências: enquanto o 
nível teológico oficial é aquele vertido nos livros editados pela CPAD 
(Casa Publicadora das Assembleias de Deus) e chancelados pelo Conselho 
de Doutrina da CGADB (Convenção Geral das Assembleias de Deus no 
Brasil), o nível místico é o popular, que nasce na vivência do povo; já o
 nível acadêmico tenta explicar o que acontece no mundo pentecostal, mas
 frequentemente de maneira pouco acessível ao público comum.
De 
toda maneira, uma simples pesquisa histórica é capaz de demonstrar que a
 Assembleia de Deus, tanto em sua teologia oficial como na prédica de 
seus pioneiros, não endossou o “fogo estranho”, assim como, em nossos 
dias, não o ratifica.
É certo que o pioneiro Gunnar Vingren passou
 por experiência incomum de riso (alguns chamam de “riso santo”), mas 
como reação emotiva à obra de Deus, e não como dom espiritual, marca do 
pentecostalismo ou experiência que deva ser normativa para o cristão.
Neste passo, chamemos à baila um depoimento do próprio missionário Gunnar Vingren sobre algo que testemunhou em Criciúma-SC***:
Primeiro
 cantaram um hino. Depois todos tiraram os sapatos e se deitaram no chão
 num círculo. Depois que todos haviam orado, começaram a pular e a 
dançar durante mais ou menos meia hora. Depois se puseram de joelhos 
outra vez e oraram. Eu os exortei a que deixassem essa coisa de dançar, 
pois isso não está escrito no Novo Testamento, e era uma bobagem que 
eles deviam abandonar. [Mensageiro da Paz, Ano 79, Número 1.494 – 
Novembro de 2009].
A Declaração de Fé das Assembleias de Deus
 no Brasil (publicada em abril de 2017) em nenhum momento aprova ou 
anuncia como marca do pentecostalismo aquilo que configura a essência do
 reteté. Não há no seu cap. XX (dedicado à doutrina do Espírito Santo) 
uma linha sequer defendendo tal conceito.
Há na internet 
pronunciamentos de diversos pastores assembleianos brasileiros contra o 
reteté: Antonio Gilberto, Claudionor Correa de Andrade, Elienai Cabral, 
Elinaldo Renovato de Lima, Daniel Nunes da Silva. De maneira muito clara
 e contundente, esses doutos pastores expressam a teologia oficial de 
nossa denominação. Semelhantemente, o célebre pastor pentecostal David 
Wilkerson criticou duramente esses cultos extravagantes.
Na 
história dos avivamentos, houve episódios caracterizados por 
comportamentos fortemente emocionais, o que não é exclusivo ao mundo 
pentecostal. Todavia, com o tempo as manifestações tendem a ser 
explicadas à luz da Bíblia ou controladas sob a supervisão da liderança 
pastoral, não podendo ser o centro das atenções no culto, nem descambar 
para o exagero.
Como explica o teólogo pentecostal Paulo Romeiro, 
movimentos religiosos passam por fases de entusiasmo, organização, 
educação e estagnação. Podemos afirmar que o reteté seria uma forma de 
ampliar exagerada e artificialmente a fase do entusiasmo, 
desconsiderando os bons frutos da educação teológica – é claro que não 
queremos ser vencidos pela fase da estagnação, mas para isso precisamos 
de verdadeiro avivamento, e não de “fogo estranho”.
O movimento do
 reteté parece muito com a “Benção de Toronto”, movimento surgido no 
início da década de 1990 no seio da Comunidade Vineyard (Videira) do 
Aeroporto de Toronto, igreja dirigida pelo pastor John Arnott e sua 
esposa Carol. A matriz da Comunidade Vineyard, pastoreada à época pelo 
americano John Wimber, é uma igreja da chamada “Terceira Onda”, muito 
diferente das igrejas pentecostais históricas, classificadas como sendo 
da “Primeira Onda”.
Em seu livro “Quando o Espírito vem com poder”
 (publicado pela ABU Editora), John White trata das manifestações 
espirituais com uma abordagem bíblica, histórica e psiquiátrica. Tendo 
conhecimento do Movimento de Vineyard, White busca discernir 
comportamentos biblicamente fundamentados daqueles que são meramente 
psicológicos ou até demoníacos.
Quanto à maneira de aferir se 
determinadas manifestações procedem de Deus, White sugere que se 
observem os “frutos” e também o “pomar”: os frutos são os efeitos que 
surgem a partir dali: se se produzem ou não mais evangelização, mais 
fervor, mais santidade, mais ética, mais desejo de conhecer a Bíblia; o 
pomar é o cenário em que ocorrem as manifestações, se caracterizado pela
 pregação da Palavra de Deus ou se condicionado por sugestões 
psicológicas, teatro ou palavras de incentivo a comportamentos bizarros.
Temos de deixar algo muito claro: não há na Bíblia nenhuma recomendação a que as igrejas pratiquem o reteté. E mais: não há personagens bíblicos que promovam o reteté em nome de Deus.
Pelo
 contrário, as recomendações do apóstolo Paulo quanto ao exercício dos 
dons espirituais falam de “ordem e decência”, da finalidade dos dons 
(edificação), da sujeição do espírito do homem ao próprio homem, da 
necessidade de ordenar e julgar as profecias, da necessidade de 
interpretar línguas quando estas venham a ser proferidas como discurso. 
Não há incentivo à desordem, à bizarrice, ao ridículo.
Houve, sim,
 eventos bíblicos extraordinários que produziram efeitos corporais: 
quando da dedicação do Templo em Jerusalém, a glória do SENHOR tomou a 
Casa de tal forma que os sacerdotes não conseguiam se pôr de pé (I Rs 
8.10,11); Ezequiel caiu sobre o seu próprio rosto ao contemplar a glória
 do SENHOR (Ez 1.28; 3.23); Daniel desfaleceu em virtude das visões 
celestiais recebidas (Dn 10.7-21); Pedro, Tiago e João caíram diante da 
Transfiguração (Mt 17.12-6); João caiu “como morto” aos pés de Cristo 
glorificado (Ap 1.17). No entanto, trata-se de eventos especiais, que 
não podem servir de prescrição para a Igreja, segundo a regra 
hermenêutica de que “não se deve doutrinar a partir de narrativas”, 
ressalvando-se os momentos em que a própria narrativa se constrói com 
propósito doutrinário (caso de Lucas-Atos, em linhas gerais).
Desde,
 pelo menos, a década de 1990 o pentecostalismo brasileiro tem absorvido
 influências de igrejas da Terceira Onda como se fossem experiências 
essencialmente pentecostais, e igrejas chamadas “neopentecostais” têm 
influenciado a Assembleia de Deus (deveríamos ser mais neotestamentários
 e nunca “neopentecostais”, tendo em conta o que se acha debaixo do 
imenso guarda-chuva “neopentecostal”).
Além disso, e para nossa 
imensa tristeza, o pentecostalismo brasileiro tem sido minado também a 
partir de algumas igrejas e entidades assembleianas, como certos 
congressos de última hora, onde pregadores supostamente pentecostais 
deitam ideias amalucadas e promovem performances destrambelhadas, que 
nada têm que ver com a fé pentecostal, de modo que as novas gerações 
acabam imitando péssimos exemplos.
Por tudo o que ora se registra,
 deixo aos leitores as mesmas conclusões que pontuei aos irmãos 
presentes à referida EBO, com uma proposta ao final, que, da mesma 
forma, dirigi ao público presente. Vejamos:
1 – Se realmente consideramos que a Bíblia é nossa regra de fé e conduta, sendo autoritativa e suficiente, devemos rejeitar o ensino de que manifestações do Espírito não precisam ter fundamento bíblico.
2
 – A hermenêutica pentecostal precisa estar firme em sua posição de 
hermenêutica cristã ortodoxa, sem se pautar pela experiência individual 
ou coletiva, mas por regras aceitáveis e pelo método 
histórico-gramatical, consagrado pela Reforma Protestante e referido 
pela Declaração de Fé das Assembleias de Deus no Brasil.
3 – 
Precisamos encurtar a distância entre a teologia oficial e a teologia 
popular, o que passa pelo controle do púlpito e pelo respeito aos 
elementos componentes do culto neotestamentário.
4 – Não podemos 
proibir as manifestações genuinamente espirituais nem desprezar as 
emoções em si ou os fatores sociais envolvidos, mas atuar de forma 
pastoral, com base numa boa teologia, para mostrar o que de fato é 
pentecostalismo, distinguindo-o do que não é.
5 – Precisamos incentivar a busca do dom de discernimento de espíritos, pouco popular em nosso meio.
6 – Não devemos cair no Espírito – o Espírito é que biblicamente cai nos crentes em Jesus.
Por
 fim, a proposta do autor é que o reteté seja explicitamente reconhecido
 como movimento herético, alheio ao pentecostalismo; que líderes adeptos
 do reteté sejam aconselhados a abandonar as práticas do movimento ou 
assumir a possibilidade de uma disciplina ética; e que os vocacionados 
ao diaconato e ao episcopado sejam orientados à ortodoxia pentecostal, 
sob pena de não serem ordenados a tais ofícios eclesiásticos.
*Para
 uma reflexão sobre oralidade e corporalidade  no campo pentecostal, 
sugiro a leitura do artigo acadêmico “Pentecostalidade e 
pentecostalismo: fatores de crescimento associados à oralidade”, escrito
 pelo teólogo assembleiano Claiton Ivan Pommerening e publicado na Azusa
 – Revista de Estudos Pentecostais, no seguinte endereço: 
http://azusa.faculdaderefidim.edu.br/index.php/azusa/article/view/8/7
**Declarações
 presentes em vídeo disponível no Youtube, assim como nos casos das 
citações aos pastores Antonio Gilberto, Elienai Cabral, Elinaldo 
Renovato de Lima, Daniel Nunes da Silva, David Wilkerson e Paulo Romeiro
 (todos pentecostais, é bom lembrar).
***A citação do 
missionário e pioneiro pentecostal Gunnar Vingren foi extraída do artigo
 “Gunnar Vingren incentivou ‘cultos’ extravagantes?”, da lavra de 
Gutierres Fernandes Siqueira e disponibilizado no blog Teologia 
Pentecostal, no seguinte endereço: 
ttps://teologiapentecostal.blog/2015/10/31/gunnar-vingren-incentivou-cultos-extravagantes/
Fonte: Gospel Prime