Depois
de hesitar por uma semana decidi te escrever na expectativa de
conseguir ajuda. Semana passada, Isaque, meu filho de dois anos, morreu
afogado na piscina da minha casa e desde então minha vida se afogou.
A dor e muito grande e a sua ausência e insubstituível.
Ele
era o cara mais incrível que já conheci... Tão cheio de vida e ousado,
que havia dentro de mim uma agradável e desafiante expectativa de como
eu iria tratar com ele na sua infância, adolescência e juventude.
Junto
com ele, morreram muitas outras coisas: sonhos, planos, paixões,
interesse pela vida e vontade de lutar por qualquer coisa.
São tantos "porquês" "pra quês" que, às vezes, penso que o melhor seria partir e estar com ele.
Minha fé está abalada!
Eu
sei que Deus não apenas poderia ter evitado tal tragédia, mas também
poderia ter revertido a situação até à hora do sepultamento.
Creio com todas as minhas forcas que Ele poderia, mas não o fez.
Às vezes me consolo dizendo a mim mesmo: “o Senhor o levou" ou "era a vontade de Deus”.
Na verdade, não tenho certeza de nada disso e não sei como lidar com isso.
Sei que Isaque está com o Senhor, mas não me convenço que isso era o Seu "plano" pra vida dele e para nós.
Outra piração que tenho tido e a respeito da minha vida de oração.
Eu
orava por meus filhos todos os dias e de maneira especifica, contra
tragédias, traumas, abusos e, algumas vezes, orei por proteção para que
não se queimassem ou afogassem.
As
pessoas ao nosso redor têm sido muito solidárias, mas repetem as mesmas
coisas que não têm poder de consolar meu coração e satisfazer a minha
necessidade de entender Deus nessa hora.
Essa coisa de arrumar respostas fáceis, tapam um buraco aqui, mas pra isso criam outros adiante.
Sei
que vc perdeu um filho que amava e talvez possa me ajudar a processar
toda essas perguntas e me ajudar a ajuntar todos os cacos e seguir em
frente sem me tornar uma pessoa amarga e indiferente com a vida.
Se vc ler este e-mail, por favor, me dá um toque.
Valeu Mano!
Valeu Mano!
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Resposta:
Meu mano amado: Graça, Paz e Consolação no Espírito Santo!
Para: Todo Aquele Que Hoje Não Sabe Para Onde Está Indo, Mas Que Sabe Com Certeza Com Quem Está Indo:
Toda-via, não-havia...
Havia sim, todavia, a não-via.
Assim, Abraão nada-via, pois, Nada-Havia como via!
Entre-tanto, tudo-via, onde, todavia, nada-havia!
Mas ele se via na via como um en-via-do do in-viá-vel!
Assim, tudo ha-via como via, mesmo que fosse, toda-via, a não-via!
Meu
mano, é verdade, perdi um filho muito, muito amado, como todos os
outros o são; e sei o que é amar, amar, investir a vida, dar tudo o que
se tem, e, então, de repente, seu objeto de amor de se ir...
Sim! É a nossa dor que se sofre
em uma “perda” assim. A nossa dor e somente a nossa dor. Afinal, que
outra dor se sofre quando um filho lindo, angelical, santinho, puro e
sublime parte para a eternidade?
Dor
por ele não é. Sim! Sua dor não pode ser pela perda do filho em relação
a este mundo, posto que o mundo caminhe para virar um Inferno palpável
em pouco tempo.
Portanto, nessa hora, a dor é da gente e somente nossa.
De
fato, a dor de um pai que ama o filho, nesta hora é dor do pai por si
mesmo, por ter perdido um filho neste mundo e para si mesmo.
Se
como pai eu tivesse pensando no “futuro” de meu filho na terra, e se o
fizesse de modo “romântico”, acharia que ele foi privado de ter e me dar
alegrias ainda por muitos anos, posto que nessa hora, o pai apenas
pense no futuro como um “mar de rosas”.
Perdi
dois filhos [embora “perder” não seja uma palavra própria para mim
quando se trata de filhos que se foram...]. O 1º foi o Luizinho, que era
um bebezinho que partiu com oito ou nove horas de vida. Lindo e
perfeitinho, todo gostoso. O outro foi o Lukas, meu canguruzinho amado, e
que se foi com 22 anos de idade.
Entretanto,
meu maior treino para essas “perdas” aconteceu observando meu pai e
minha mãe, quando perderam um filho amado, de 19 anos, o meu mano Luiz
Fábio, que morreu para os homens em um acidente de carro, enquanto ia à
reunião da igreja a fim de treinar para um “Evento evangelístico” que eu
faria e fiz no Teatro Amazonas, dois dias depois, chamado “À Cruz
Urgente”.
Foi com eles que aprendi que nunca se perde um filho apenas por que ele tenha “morrido”.
De fato vi que a morte não mata ninguém, e que, muitas vezes, salva a pessoa daquilo que no mundo mata para sempre.
Minha mãe perguntou a Deus: “Por que Senhor?” E leu, na mesma hora, um texto que para ela se abriu em Isaías: “... porque o justo é levado antes que venha o mal, e entra na paz”.
Daquele momento em diante [e isto aconteceu quase logo depois da notícia] comecei a aprender a lidar com a morte em Cristo.
Então,
sistematicamente, orava e jejuava pelos filhos que eu teria, e que, de
fato, comecei a ter logo depois, em 1976, quando veio o Ciro, e, no ano
seguinte, quando veio o Davi. Seis anos e oito anos depois deles, vieram
o Lukas e a Juliana.
Minha oração era uma só:
Que
o Senhor não os deixasse nem um dia a mais neste mundo se eles não
fossem crescer para amar a Deus e tornarem-se gente boa de Deus nesta
vida.
Dizia
ao Senhor que preferiria sepultar os quatro em um só dia, do que vê-los
andando sem o amor de Deus no coração; pois, para mim, só se perde um filho se ele existir sem Deus neste mundo.
Salvei-os
de tudo: de acidentes no mar, em buracos de fossa, de quedas horríveis,
de afogamento, etc. Mas eu sabia que aqueles eram os salvamentos bobos,
pois, o verdadeiro salvamento nunca seria de catástrofes físicas, mas
sim das espirituais e mentais — e eu sabia que somente o mistério do
amor de Deus poderia cuidar deles, mesmo que fosse levando-os para
salvá-los da morte de existir sem Deus no mundo.
Assim,
minha dor de pai, por mais forte que seja, é a dor de um pai que ama
mais o destino eterno dos filhos em Deus, do que meus sonhos para eles
na Terra.
Nunca tive sonhos para meus filhos na Terra!
Todos
os meus sonhos para eles eram e são simples: que eles vivessem e vivam
com o amor de Deus no coração, e que se a existência deles for
afastar-se desse amor, que o Senhor, por amor a eles e a mim, os leve antes que venha o mal; e, assim, eles entrem na paz.
Digo
isto porque se a nossa esperança em Cristo se reduz apenas às coisas
desta vida, então, creia, nós nos tornamos os mais infelizes de todos os
homens.
Quem
tem Jesus como escudo contra acidentes, afogamentos, doenças,
calamidades físicas — esse tal está pedindo que Jesus seja uma
Seguradora ao estilo das Seguradoras Contra Acidentes.
Eu, todavia, nunca achei que filho vivo no mundo fosse filho vivo em Deus!
Meu amor pelos meus filhos tem a ver com a eternidade, não com uns aninhos de vaidade na Terra.
Entretanto...
Independentemente da consciência em fé que a pessoa tenha ou não, o elemento psicológico de tal perda é o seguinte:
Quanto
mais novo ou recém nascido seja o filho, menor e menos durável será a
dor, pois, em tal caso, têm-se apenas os sonhos pessoais como agentes de
dor da perda. Entretanto, quanto mais se tenha interagido com o filho,
como já é o caso com dois anos de idade [tenho um netinho de dois anos
hoje e que curto todos os dias em amor], então, maior e a dor; pois,
além dos “sonhos de pai”, também já se tem a expressão de vida, doçura e
personalidade da criança — o que aumenta muito mais a dor.
Quando
o filho está na flor da juventude, como foi o caso com meu irmão Luiz e
meu filho Lukas, então, além dos sonhos, também já se tinha a vida
mesmo; com seus contornos, idéias, atitudes, opiniões, graças,
tristezas, esperanças e receios bem estabelecidos. A dor é imensurável
também.
Entretanto,
quando o filho já é um adulto, que viveu e até já teve filhos, e, por
alguma razão se vai... — a dor é imensa também, mas, de algum modo, o
coração parece se consolar com o fato de que o filho disse ao que veio
no mundo, como se isso tivesse dado a ele mais vida pelo tempo
decorrido. Então, dizemos: “Não ficou velho, mas, graças a Deus, fez
muita coisa boa; viveu”.
E
se o pai já é idoso e o filho também [o pai com uns 80 e o filho com
60], a dor é igualmente imensa, mas, pela velhice e pela falta de
ilusões, o velho pai tende a se consolar com mais rapidez.
Todavia, lendo a sua carta vi que todas as suas esperanças em Cristo ainda são apenas deste mundo!
Você orava como quem investia em proteção!
Além
disso, vejo que “do lado de lá”, para você, existe o seu filho e nada
mais... Afinal, sua vontade era morrer e estar com ele; embora a morte
somente una os que, morrendo..., creiam em eternidade em Cristo.
Ele,
seu filho, sem que exista eternidade em Jesus, jamais será achado. Não
existe um lugar sem Deus para ele ou para ninguém. Sem Deus o lugar do
encontro é o Nada.
O que noto meu mano amado, é que sua dor não tem esperança em Jesus.
Não
há senso de eternidade em seu coração. Suas alegrias em Cristo se
prendem apenas a esta vida, o que, numa hora como esta, faz de você o
mais infeliz de todos os homens.
Portanto, meu mano amado, caso sua mente não salte na fé para o plano da “esperança da glória de Deus”,
coisa alguma lhe será consolação neste mundo de aprisionamentos a
futuros medidos por tempo de vida e conquistas materiais e sociais.
Não
há muito a dizer... Apenas digo que seu filho está com Jesus. E mais:
digo que conquanto seu filho esteja com Jesus, você, pela falta de
esperança, fruto do engano da fé que lhe ensinaram [uma fé de
Prosperidade e de Seguro Contra Acidentes], está em fel de amargura; e
isto nada tem a ver com Deus, que apenas salvou seu filho contra todo
acidente que mate o espírito; mas sim tem a ver apenas com você, que
ainda pensa que vida abençoada é vida longa, saudável, rica e tranqüila,
conforme este mundo.
Enquanto
seus valores forem esses, saiba: não haverá nem esperança e nem
consolação para a sua alma. Afinal, Paulo disse que quem crê em Jesus
apenas para o Aqui e o Agora, esse é mais infeliz do que o ateu.
Sofro saudades de meu filho Lukas, mas nunca senti perda ou desespero.
Ele é meu segundo filho a estar DEFINITIVAMENTE SALVO DE TUDO.
Eu,
de minha parte, aprendi a aproveitar tudo de todos — seja uma semana de
vida, um mês, um ano, uma década, duas, três, ou qualquer tempo...
Afinal, a coisa mais básica que se pode aprender sobre a existência é que ela é completamente frágil e mortal.
Meu irmão, enquanto a gente não ama o amor de Deus tudo nos parece perda neste mundo.
Quando, porém, a gente ama o amor de Deus, então, nada mais é perda neste mundo.
Quando
o amor de Deus é maior do que qualquer outro amor em nós, e quando
nosso amor por Deus não é porque Ele seja Legal, fazendo tudo conforme
nossos planos e sonhos [planos nossos, mas que a gente chama de “plano
de Deus”], mas porque Ele é amor, independentemente do que nos agrade ou
não, então, até a morte é doce, e até a ida do filho é salvamento.
“O justo é levado antes que venha o mal; e entra na paz!” — diz Deus por Isaías.
Assim, segundo Deus, morrer não é mal. Mal é viver sem vida, sem Deus e sem esperança.
Ora, quando a gente ama o amor de Deus, a conseqüência é que a gente crê no amor Dele sempre, especialmente ante a morte.
Portanto, quando a morte vem, a gente olha para ela e diz: “Onde está ó morte a tua vitória?”
Sim! Pois a morte somente mata os que não morrem e continuam a viver sem vida, embora existentes.
Mas
quando a gente foi invadido pela eternidade, e vive para e pela
esperança da Glória de Deus, então, mesmo gemendo de dor, a gente diz
sem hipocrisia: “Preciosa é aos olhos do Senhor a morte de Seus santos, especialmente de Seus anjinhos”.
Isso, entretanto, consola o coração, pois, entrega-se o filho a quem ele pertence: ao Pai.
Parece
um pensamento tolo para quem não experimenta a realidade de Deus como
vida mesmo, e não apenas como crença de Segurança. Mas para quem crê, o
sentimento em fé é simples. De fato é como o que acontece a um pai que
ama o filho, e que sabe que já não poderá tê-lo, mas, assim mesmo, o
entrega a quem Melhor Pode Cuidar dele nesta vida ou em qualquer vida: o
Pai.
Meu
mano querido, tudo o que lhe digo, agora, em meio à dor, lhe parecerá
tolo e superficial. Sei que você não me considerará assim apenas porque
eu sei o que é sofrer esta dor. No entanto, mesmo com tal respeito por
mim, hoje ainda lhe parecerá DEMAIS o que lhe digo.
Porém,
em algum tempo, ao voltar para esta carta outra vez, com os olhos
encharcados de lágrimas e dor, sua alma irá entendendo o sentido de
tudo, e, aos poucos, você terá oxigênio de novo, e, assim, poderá vir a
discernir o que hoje ainda lhe é impossível em razão da dor, da sua dor,
de suas frustrações, de seu sentimento de ter sido boicotado por Deus.
Mano, “alegremo-nos nas próprias tribulações; e não somente nisto, mas gloriemo-nos na esperança da glória de Deus” — pois, que mais nos resta neste mundo de existência que mata mais que a morte?
Estou orando por você desde ontem à noite, quando vi a sua carta e a separei para responder agora, hoje, dia 7 de março de 2009.
Meu
netinho acordou cedo e estava comigo aqui fora, brincando e falando
enquanto eu respondia a sua carta. E não foram poucas as vezes em que
parei, olhei para ele, lembrei de seu filho, e orei por você e por todos
os seus.
Ninguém sabe nada nesta vida. Sábio é quem apenas vive o mal de cada dia com esperança e sem amargura no coração.
Portanto, mais do que nunca se diz: o justo viverá pela fé.
Mano amado, minha impotência já foi longe demais no falar.
Agora, apenas faço silêncio e choro com você!
O Senhor que o levou cuidará de todos os que ficaram!
Nele, que ama os que Ele leva para Si mesmo,
Caio
7 de março de 2009
Lago Norte
Brasília
DF
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