A Revelação de Deus aos homens tem muitas formas e a Voz de Deus se faz ouvir em toda a terra de modos os mais diversos.
Ele fala em tudo, por meio de tudo, pois Ele está em tudo!
Mas
Deus falou outrora aos nossos pais na fé pelos profetas da fé e, na
plenitude dos tempos — qualquer tempo em que Deus se Encarnasse, aquele
tempo seria o da Plenitude —, falou-nos por Seu Filho, o qual fez
herdeiro de todas as coisas, pois deu-lhe o Nome que está sobre todo
nome, ante cuja Verdade curvam-se ou curvar-se-ão todos os que Dele
procedem, sendo que sem Ele nada do que foi feito se fez.
Quando
Deus derramou Seu Espírito sobre homens santos do passado — nenhum
deles santos em razão de qualquer uniformidade moral ou de comportamento
que entre eles houvesse, mas pela sua consciência de conhecerem o mesmo
Deus em fé e pela fé — sempre o fez dentro de suas próprias condições
humanas, ou seja: “...eles eram semelhantes a nós — todos nós — sujeitos
aos mesmos sentimentos e fraquezas”.
Dessa
forma a Revelação vinha toda eivada de suas próprias vidas, em toda a
sua complexidade. Por isso é que cada livro da Bíblia tem um estilo e
cada estilo corresponde a uma pessoa-personalidade humana, que, por seu
turno, estava imersa num mundo, num tempo e numa época, vivendo a
história possível.
Eles,
portanto, viam o futuro com os sentimentos do seu presente e eram
iluminados nos olhos do coração, porém, viam com seus próprios olhos.
Por
isso, na minha opinião, para se discernir a Escritura é preciso também
lê-la vendo gente sendo atravessada pela Voz de Deus entre os ruídos,
clamores e silêncios da Terra.
Não
consigo ler a Bíblia sem essa visão da uniformidade crescente da fé e
no conhecimento de Deus ir acontecendo mediante a mutabilidade de tempos
e circunstâncias, onde os instrumentos de Deus foram sempre gente em
pleno estado de gente.
Leio
Paulo, por exemplo, e não consigo deixar de ver sua humanidade
transpirante em cada coisa que escreveu — mesmo aquelas que estavam para
além de ele poder encarnar de modo absoluto em plenitude ainda na
terra!
Ele é o relativo possuído pela certeza absoluta de ter sido atingido pela revelação.
Mas
ele escreve cartas e nelas fala de si, de outros, de dores, medos,
perdas, afrontas — além de revelar seus sentimentos em relação a cada
coisa.
Não discernir isso pode nos fazer ver Deus como a emoção ou a carência humana do autor.
O
maravilhoso é poder ouvir a Voz de Deus irrompendo pela boca de um
homem que poderia ter acabado de comer tâmaras e bebido vinho, e que
ouve Tércio dizer: “Irmão Paulo, estou pronto para continuar a escrever.
É só falar”.
E
lá vem Paulo, com tudo o que Paulo é no momento, e dita uma epístola
que não foi narrada como uma obra psicografada, mas como um pensamento
livre nas asas da verdade, e que teve suas pausas para meditação e até
eventuais correções na seqüência da narrativa.
Talvez também por isto Paulo estivesse tão convicto de que a letra mata!
Até
mesmo as citações de textos do Velho Testamento que ele faz escrevendo,
por exemplo, aos Romanos, são na maioria das vezes, livres, ou mesmo
sínteses de contextos muito maiores em sua literalidade no texto bíblico
onde sua referência pode ser encontrada.
Ou
seja: Paulo estava tão certo de que aquilo que ele escrevia era a
Palavra — sem se preocupar com o ditado como se fosse “ditado” — que
tinha apenas de oferecer a Deus seu entendimento sobre o Evangelho de
Cristo e sobre as circunstâncias humanas para as quais ele dirigia a sua
carta.
O mais era um trabalho de Deus muito maior do que Paulo mesmo poderia ter imaginado!
Como
é que todas aquelas famílias de amigos e todos aqueles aos quais ele
menciona pelo nome no P.S. de suas cartas iriam imaginar estar hoje
incluídos em nossas leituras inspiradas?
Assim,
com o próprio modo da “produção” do texto da epistola aprendemos que o
revelado pelo Espírito tem que estar no homem como entendimento em fé, a
fim de que o homem possa andar na revelação como certeza de fé.
Paulo
poderia interromper, levantar, lavar a louça ou tecer a lateral de uma
tenda, voltar, procurar Tércio, recomeçar a ditar o inspirado não como
forma, mas como conteúdo — a forma era a dele; o conteúdo, com certeza
não!
E
isto sendo gentemente gente boa de Deus, em toda a plenitude de sua
própria relatividade e, ainda assim, dizendo: "Aquele que em mim fala é
poderoso!"
Caio Fábio